A caminho do Colégio São João de Brito |
• António Correia de Campos, O sorrateiro cheque-ensino [hoje no Público]:
- ‘A ideia é atraente: em vez de ser distribuído pelas escolas e hospitais, o dinheiro seguiria o aluno ou o doente. As famílias escolhem escola, pública ou privada. Se privada, poderá oferecer serviços adicionais ao pacote público, como mais línguas, melhor ocupação de tempos livres, melhor alimentação e sobretudo ambiente seleccionado, rejeitando os alunos inconvenientes. Naturalmente contra pagamento adicional das famílias. O Estado deixaria de pagar às privadas com quem tem acordos, pagaria um cheque por aluno. Tal como às públicas. É suposto que a competição forçaria a escola pública a dispensar pessoal, a encerrar instalações e certamente a reduzir a qualidade do ensino, densificando-se em alunos problemáticos que o privado rejeita e o público é forçado a acolher. O modelo supõe ainda que o gasto público com a educação se reduza e aumente o das famílias.
Parece interessante, mas os problemas saltam na análise, a curto e a médio prazo. No longo prazo seria a destruição da parte mais sólida do modelo social, a da igualdade de oportunidades pela educação pública. A curto prazo o modelo reduziria o orçamento da escola pública sem a libertar das servidões públicas, nem lhe permitir vender serviços complementares. O acréscimo de gastos com o cheque-ensino (se fosse barato já estaria em uso) seria muito superior ao ritmo do decréscimo do gasto no ensino público. Este sofreria inexorável degradação, dispensaria pessoal, encerraria escolas para além da cobertura geodemográfica e destruiria a igualdade de acesso ao ensino.
O cheque-ensino é muito mais que um fetiche tecnocrático. Ele é adorado pelos que detestam os supostos privilégios da função pública, consideram indiscutíveis e necessárias as desigualdades de nascimento, excessivos o nivelamento e a mobilidade social, odiosos os sindicatos e sindicalistas. Apenas poderão recear que, com a duplicação de encargos, o sistema acabe por ser mais dispendioso que o anterior. Para as classes média e baixa este sistema seria o desmantelar da construção que permitiu aos seus filhos ascenderem a posições sociais que as gerações passadas não sonhavam. Desde 1970, existe escolaridade obrigatória de seis anos, depois de nove e por fim de doze anos. A cargo da escola pública.
É certo que as escolas públicas não são todas de qualidade homogénea, mas oferecem um patamar comum, garantido, apesar da imensa dificuldade que é trabalhar em zonas socialmente deprimidas. É certo que durante muito tempo, até 2006, edifícios e equipamentos estavam em mau estado, os professores tinham horários muito folgados, a escola ocupava o aluno pouco tempo, lançando-o na rua com escassa protecção. É certo que a reacção de professores e sindicatos às reformas de Maria de Lourdes Rodrigues foi corporativa, desproporcionada e irrealista. Bem enquadrados politicamente, os professores impressionaram com o protesto, persistiram em não ser avaliados, alimentaram candidaturas presidenciais sem horizonte. Em muito contribuíram para a queda da governação de José Sócrates.
É certo que o nosso ensino secundário era, até há alguns anos, dispendioso comparativamente com outros países, os professores eram relativamente bem pagos e precocemente reformados, pouco eficiente, e com elevadas taxas de insucesso. Em cinco anos muitos desses erros foram corrigidos sem desvirtuar a universalidade do sistema: escola a tempo inteiro, Inglês desde o ciclo inicial, ocupação tutelada de tempos livres, reforço do Português e da Matemática, melhores programas e menos complacência com a indisciplina. O insucesso baixou, a escola pública ampliou a qualidade, as instalações foram renovadas, a eficiência global aumentou. Os professores tardaram a reconhecer a mudança, mas hoje perderam o direito a dúvidas. Sabem que a degradação do ensino público, além de atentar contra o interesse público, lhes corrói o emprego e a empregabilidade. O sedutor cheque-ensino que o ministério declara querer introduzir será o fim, a prazo, da educação republicana, concretizada por Veiga Simão. Quando este criou, a partir de 1970, ensino secundário em todos os concelhos, e não apenas nas sedes de distritos como então acontecia, os colégios privados foram adquiridos pelo Estado, os proprietários compensados com generosidade, os professores do particular integrados, a sua aposentação garantida. Se o sistema do cheque-ensino tivesse o mérito que alguns lhe atribuem, um Governo autoritário e de direita tê-lo-ia adoptado. A verdade é que o país todo aderiu ao ensino público, o qual se prestigiou. Com o tempo, a irresponsabilidade gestionária, a instabilidade de programas e o peso incontrolável da pressão sindical, a degradação foi fatal, até às mudanças do tempo de Sócrates.’
3 comentários :
Tenho andado a pensar cá numa coisa, não será de exigir às escolas privadas a obrigação de fundamentar e decidir ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo a admissão e/ou a recusa de alunos financiados pelo cheque ensino? Se o financiamento é público, o escrutínio da decisão deverá ser possível.
Não está decerto a contar com os atrasos burocráticos que atuam em prejuízo do aluno. No final desiste e tenta noutra escola para não perder o ano. Será assim que as coisas funcionarão tem o direito de reclamar, mas se fica à espera que lhe seja resolvido o problema bem pode esperar. Já vai sendo assim por cá.
Texto e imagem do melhor!
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