segunda-feira, setembro 09, 2013

A psicologia económica do Tribunal Constitucional

• Luís Aguiar-Conraria, A psicologia económica do Tribunal Constitucional [hoje no Público]:
    ‘(…) defendi que tudo indicava que a decisão do Tribunal Constitucional em vetar partes do Orçamento do Estado de 2012 se tinha revelado a mais correcta sob o ponto de vista económico. Para surpresa minha, o artigo desencadeou as mais curiosas reacções (…).

    Miguel Morgado, assessor político do primeiro-ministro, escreveu na sua página do facebook que eu tinha cometido dois erros na minha análise. O primeiro foi o de ter tratado o multiplicador da despesa pública como uma coisa "natural e ainda para mais com propriedades constantes". Quanto a esta crítica, gostaria de referir dois pontos. Primeiro, Miguel Morgado parece esquecer-se que o próprio ministro das Finanças do seu Governo usou este conceito para estimar o impacto das medidas de austeridade. Vítor Gaspar tornou público que havia considerado um multiplicador de 0,8. É mais do que óbvio que o Governo subestimou severamente o impacto negativo das medidas de austeridade. A recessão que se seguiu, bem como a consequente subida do desemprego, não deixam quaisquer dúvidas. Segundo, o que a literatura económica indica sobre o assunto está de acordo com o que escreveu o assessor do primeiro-ministro, mas não da forma como gostaria. De facto, o multiplicador não é constante: é exacerbado em épocas de recessão, sendo particularmente grave o perigo de o próprio multiplicador aumentar quando, em tempos recessivos, se propagam medidas de austeridade. Economistas do Banco de Portugal, que não são conhecidos pela falta de rigor, estimam que, dados os constrangimentos económicos actuais, o multiplicador atingirá o dobro (ou mais) do valor utilizado por Gaspar.

    A segunda crítica que Miguel Morgado me fez coincidiu com uma outra publicada nas páginas deste jornal por João Miguel Tavares. Segundo João Miguel Tavares, e dado que a reposição dos subsídios apenas acontecerá em Novembro, esperar por "efeitos do acórdão de Abril de 2013, só mesmo no domínio da psicologia económica". Confesso alguma dificuldade em responder...

    Ponhamos os números em perspectiva. No segundo trimestre de 2013, o PIB subiu 1,1% em relação ao primeiro. Mas, na verdade, caiu 2% em relação a igual trimestre de 2012, que, por sua vez, havia caído 3,2% em relação a igual período de 2011. Já o PIB do primeiro trimestre caiu 4% em relação aos mesmos meses de 2012. Mesmo tendo apanhado muitos de surpresa, serão estas notícias assim tão bombásticas que tenha de ser necessário entrar-se "no domínio da multipsicologia económica" para as explicar? Está mesmo a falar ou a escrever a sério?

    Voltemos à decisão do Tribunal Constitucional. Os votos dos juízes foram avaliados pelo Ministério das Finanças como tendo um impacto orçamental superior a 1.300 milhões de euros. Cerca de 3% do PIB do primeiro trimestre e cerca de 0,8% do PIB de todo o ano de 2012. Já não ouso pedir-vos que acrediteis nas estimativas dos economistas do Banco de Portugal, pois tal obrigar-vos-ia a admitir que a decisão do Tribunal Constitucional teria um impacto gigantesco no PIB de 2013. Mas peço-vos que vos lembreis do que se disse aquando do acórdão, a saber: por causa destes juízes o país iria, constitucionalmente, cair na falência; Passos Coelho deveria pedir ao Tribunal Constitucional que governasse, e outras parvoíces de similar quilate. Ou seja, todos acreditavam que um acórdão que chumbava medidas orçamentais num valor líquido superior a 1.300 milhões de euros teria um impacto colossal. Como em vez do dilúvio previsto se vê a chuva a abrandar, passaram a considerar irrelevante a decisão do Tribunal Constitucional. Agora é necessário esperar por Novembro para se sentir os efeitos?! Até parece que quando foram anunciados os cortes dos subsídios foi necessário esperar pelas férias e pelo Natal para que as famílias se acomodassem à nova realidade. Mas façamos algumas contas: dado que 1.300 milhões são cerca de 3% do PIB trimestral, devemos então prever um crescimento de 3% para o último trimestre deste ano? Se a minha opinião cai no "domínio da psicologia económica", então as vossas entram em que reino? No da alquimia económica?

    A suprema ironia de todo este imbróglio resume-se nisto: se a razão acabar por vos assistir, e no último trimestre do ano o PIB disparar, mais evidente se tornará que a decisão do Tribunal Constitucional foi mesmo a mais correcta. Por tal motivo, o título da crónica de João Miguel Tavares deixará de ser irónico e transformar-se-á numa descrição certeira: A salvação pelo chumbo.’

2 comentários :

Unknown disse...

Não é mais um blog… É um blog para vos fazer rir, com crónicas, coisas que vocês também passam no vosso dia-a-dia. Serve isto para divulgar e humildemente vos peço para me ajudarem a divulgar, por favor ajudem-me. Pode ser? Obrigado

http://ocarteiravazia.blogspot.com/

Anónimo disse...

boa malha esta do LAC