- ‘A recente ligeira melhoria das taxas de crescimento do PIB na zona euro (é preciso uma lupa para se ficar realmente impressionado) levou a declarações de vitória dos responsáveis políticos europeus, sugerindo que os programas de austeridade impostos a países da moeda única estão a dar frutos. Estes mesmos políticos sentem-se vingados e usam o pequeno volte-face nas taxas de crescimento como prova de que a austeridade, embora dolorosa, funcionou e deve dar confiança para o futuro. Mas será assim?
Os programas de austeridade que foram postos em movimento depois de 2010 não pararam o crescimento explosivo dos rácios da dívida. Pelo contrário. Os países que impuseram os programas de austeridade mais intensos, como a Grécia, Portugal e Espanha viram os seus rácios de dívida aumentar ainda mais. O mecanismo que está por trás é bem conhecido. As recessões que grassavam nestes países eram "recessões de folha de balanço" nas quais os agentes privados tentavam desesperadamente reduzir os seus níveis de endividamento.
Quando por insistência da Comissão Europeia e dos países credores, os governos do Sul da Europa foram também forçados a reduzir os seus níveis de dívida, um círculo vicioso foi posto em ação levando a mais profundas recessões, ou mesmo a depressões semelhantes às dos anos 30 do século passado em alguns deles. Estas depressões cavadas provocaram menos receitas por parte dos governos. Em resultado deste círculo vicioso os programas de austeridade foram particularmente ineficazes na redução dos défices orçamentais totais. Num estudo que fiz para o Centro de Estudos de Política Europeia, calculava que um aumento médio de 1% na austeridade só leva a uma melhoria de 0,5% no equilíbrio orçamental. Dito por outras palavras, para melhorar em 1% o equilíbrio orçamental, é necessário um programa de austeridade de pelo menos 2%. Um tal programa de austeridade leva também a uma queda do PIB. Segundo os cálculos do FMI uma austeridade de 1% faz cair o PIB em 1,4. Assim, os programas de austeridade da zona euro impõem um negócio desfavorável para os países do sul da Europa: de forma a melhorar os seus equilíbrios orçamentais em 1%, sacrificam 2,8% do seu PIB.
Alguns observadores têm argumentado que este é um preço necessário para reformar os desequilíbrios na zona euro. Mas será assim? A questão não é se a periferia tem de praticar a austeridade ou não. Tem (embora lhes devesse ser dado mais tempo). A questão é se para a zona euro como um todo um ajustamento mais simétrico não poderia melhorar o balanço desfavorável entre equilíbrio orçamental e crescimento económico da periferia. Defendo que um ajustamento fiscal mais simétrico, juntamente com a decisão dos países credores do norte de estimularem as suas economias, teria reduzido o preço que os países do sul europeu tiveram que pagar (em termos de perdas de produção) para alcançar uma dada melhoria nos seus equilíbrios orçamentais.
Outra forma de ver o poder deste argumento é o que exponho a seguir. A imposição de programas de austeridade na zona euro tem sido vítima da "falácia da composição". O que resulta para uma nação falha quando todos os países aplicam as mesmas políticas. Quando um país é forçado a poupar mais com um programa de austeridade isso pode resultar quando é só ele a proceder assim. Nesse caso, a tentativa de aumentar as poupanças e desta forma criar um superavit da conta corrente é facilitada pelo facto de os outros continuarem a gastar, isto é, aceitarem défices das suas balanças. Quando porém todos os países tentam poupar mais ao mesmo tempo, isto é, quando todos tentam criar superavits, as tentativas individuais de cada país tornam mais difícil para os outros alcançar o mesmo objetivo, forçando-os a aumentar os esforços de austeridade. No final, não terão êxito, mas o PIB será menor em toda a parte.
É surpreendente que a Comissão Europeia como guardiã dos interesses da zona euro como um todo não tenha levado em conta as implicações dos programas de austeridade generalizados para todo o sistema. Isto pode ter que ver com o facto de a Comissão agir como um agente de defesa dos interesses das nações credoras do Norte e não dos interesses da zona euro como um todo. É tempo de a Comissão agarrar o seu papel de defensora dos países devedores com o mesmo vigor com que defende os interesses dos credores. É tempo também de a Comissão insistir e possivelmente enviar troikas para os países credores para se assegurar de que eles cumprem a sua parte dos processos de ajustamento. As nações devedoras do sul enfrentam hoje um legado de níveis insustentáveis de dívida que continuará a arrastá-las para baixo durante muitos anos, se não décadas. A incapacidade das nações credoras e da Comissão Europeia que as representa de pensarem em termos dos interesses de todo o sistema cairá sobre eles como uma vingança quando os credores tiverem de aceitar a reestruturação da dívida dos países do sul da zona euro.’
Sem comentários :
Enviar um comentário