sábado, novembro 23, 2013

Crítica: A Confiança no Mundo [2]


Observar a análise da prática da tortura em regimes democráticos à luz do ensaio de José Sócrates é o objetivo desta leitura do constitucionalista e professor catedrático — Vital Moreira [hoje no DN]:
    ‘1. Não é propriamente comum que um ex-primeiro-ministro resolva retirar-se para o estrangeiro para obter um mestrado numa escola de ensino superior prestigiada. Muito menos se a dissertação de mestrado versa um dos mais sensíveis temas da filosofia e da teoria política, como é a prática da tortura em democracia.

    A primeira coisa que importa dizer sobre o livro de José Sócrates A Confiança no Mundo: Sobre a Tortura em Democracia é que se trata de uma aposta inteiramente bem-sucedida.

    Estamos perante um trabalho universitário sólido, bem investigado, bem concebido, bem argumentado, bem escrito. Isto é tanto mais notável quanto a autor não tinha nenhum background académico na ciência política nem na filosofia e tampouco tinha alguma experiência de investigação e de escrita académica.

    O segundo ponto que importa sublinhar é a escolha do tema para a referida dissertação académica - A Tortura em Democracia -, que revela uma grande coragem intelectual e política. A tradição liberal-democrática dá-se desconfortavelmente com os seus "esqueletos no armário", como são a escravatura, a opressão e as guerras coloniais, os crimes de guerra (Hiroxima, Dresden) e também a tortura.

    (…)

    3. Para Sócrates, a tortura não é somente inadmissível sob o ponto de vista moral, quaisquer que sejam as circunstâncias; é também politicamente corrosiva da democracia. O autor não poupa argumentos para demonstrar que a tortura constitui um ataque qualificado à democracia, pondo em causa a sua própria legitimidade e autoridade moral. Para o autor, a tortura é sempre um mal absoluto, que nunca pode ser legitimada em democracia para evitar males maiores (ataques terroristas) ou em nome da sua suposta eficácia, aliás nunca demonstrada, como arma de guerra, seja na guerra propriamente dita, seja na suposta "guerra" contra o terrorismo.

    (…)

    E é com esta mensagem de esperança que José Sócrates conclui o seu ensaio, que tem seguramente assegurado um lugar de relevo na literatura sobre o tema. Merece-o.’

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