• Glória Rebelo, Do ajustamento laboral e salarial [hoje no Público]:
- ‘Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, que alterou o Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), estabelecendo um novo cálculo de compensação para as cessações do contrato de trabalho que reduziu o valor das compensações devidas legalmente aos trabalhadores em casos de despedimentos ou caducidades de contratos, a 1 de outubro último entrou em vigor a Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, que voltou a alterar o cálculo destas compensações, reduzindo o seu valor.
Assim, ante o atual conjunto de políticas de severa austeridade (que vão aniquilando a procura interna) e, aproveitando este sinal do legislador que visa facilitar as formas de cessação do contrato de trabalho, estima-se um aumento do volume de cessações do contrato de trabalho e a consequente deterioração da conjuntura de emprego.
Inquieta, em particular, a gradual destruição de emprego permanente, isto é, de emprego baseado em vínculos contratuais por tempo indeterminado (que tendem a ser substituídos por contratos de trabalho não permanentes, a termo e temporários, e a tempo parcial) e, o que é ainda mais grave, o muito provável agravamento do Desemprego de Longa Duração, sobretudo junto de trabalhadores com 45 ou mais anos, indivíduos com maiores dificuldades em regressar ao mercado de trabalho.
Portugal é já há alguns anos - sendo também essa, pelo menos parte da explicação para que a média salarial no nosso país esteja, comparativamente, muito baixa em relação aos nossos parceiros europeus - um dos países da União Europeia com uma das taxas mais elevadas de contratos de trabalho não permanentes (a termo e temporários).
De acordo com os dados do Eurostat (European Union Labour force survey, Annual results 2012) o mercado de trabalho europeu continua a evidenciar que esta crise não afetou da mesma forma ou na mesma medida os Estados-Membros e que, ano após, ano, as diferenças vêm aumentando: em 2012 a taxa de desemprego na União Europeia foi de 10,4% mas muito distinta entre países, oscilando entre os 4,3% na Áustria, 5,1% no Luxemburgo, 5,3% na Holanda e 5,5% na Alemanha até aos 25% em Espanha, 24,3% na Grécia e 15,9% em Portugal.
Ainda segundo dados deste documento, por vínculo contratual, 13,7% dos trabalhadores por conta de outrem na União Europeia estão vinculados mediante contratos de trabalho de duração limitada (temporários), sendo que os países que lideram a este nível são a Polónia (26,9%), a Espanha (23,6%) e Portugal (20,7%). Já no que respeita ao trabalho por conta própria, a taxas mais elevadas observam-se na Grécia (31,9%), em Itália (23,4%) e em Portugal (21,1%); e as menos elevadas na Estónia (8,3%), no Luxemburgo (8,4%) e na Dinamarca (8,9%).
Numa conjuntura em que profundas mutações têm influenciado a vida económica europeia e nacional, no propósito de responder aos desafios da competitividade, vem-se preconizando a necessidade de flexibilização da lei laboral, propondo reformas do mercado de trabalho que passam por facilitar a desvinculação laboral (alterando mecanismos de cessação de contratos individuais de trabalho) e, deste modo, encorajando o recurso à contratação não permanente, por via dos contratos a termo e dos contratos temporários.
Mas é interessante verificar, sobretudo no âmbito da crescente assimetria entre os países europeus, que nem todos seguem estas propostas de reforma laboral. Atente-se, por exemplo, no caso do Luxemburgo. Este muito pequeno país do centro da Europa é, desde logo líder mundial na atração de Investimento Direto Estrangeiro, situação à qual não serão alheias nem a carga fiscal comparativamente com outros países europeus muito baixa (por exemplo, ao nível do IVA) nem a reduzida taxa de desemprego, que foi em 2012, a segunda mais baixa do conjunto dos países da UE. Depois, é também líder em matéria de produtividade no trabalho. Ainda segundo o European Union Labour force survey 2012, o Luxemburgo regista a maior participação de trabalhadores qualificados no mercado de trabalho (57,8%) e por vínculo contratual, apenas 7,7% dos trabalhadores por conta de outrem têm contratos de trabalho não permanentes (termo e temporários). Em síntese, o Luxemburgo é um exemplo de país que enveredou por um modelo laboral assente na produtividade do trabalho e no recurso a uma população qualificada, bem remunerada e vinculada com contratos estáveis.
Por seu turno, em países como Portugal, as propaladas reformas estruturais não se revelaram eficientes. Pelo contrário. Têm conduzido a uma segmentação laboral crescente do mercado de trabalho, a baixos salários (e a um agravamento do número de trabalhadores pobres/working poor), comprometendo a produtividade no trabalho e desencadeando um aumento do desemprego.
Na área laboral, um dos valores éticos há muito consagrado é o da estabilidade contratual, considerando-se que o carácter duradouro dos contratos é o que melhor se ajusta à ideia de integração estável do trabalhador na organização empregadora. Nesta medida, tem-se considerado que nos contratos de trabalho, o termo é um elemento acidental do negócio, só podendo, em regra, ser celebrados contratos a termo e de trabalho temporário para satisfazer necessidades temporárias das empresas. Compreende-se bem a razão de ser: do ponto de vista do trabalhador, o carácter estável do vínculo tem repercussões não só nos limites da organização laboral como na vida familiar e social, em especial no que concerne à sua subsistência económica. Também do lado do empregador se manifestam interesses ligados à perdurabilidade do contrato: a maior motivação e participação do trabalhador na atividade reforça o envolvimento com a empresa.
Será premente, pois, discutir as consequências destas intervenções legislativas de ajustamento laboral e salarial com forte impacto social em Portugal. E se se vai formando já um consenso contra a austeridade, reconhecendo o fracasso destas políticas, importará também que no plano laboral se reavive a ideia crucial da importância do valor da estabilidade contratual obviando, assim, às muito gravosas consequências sociais do desemprego, tanto para indivíduos e famílias como para o esforço coletivo de sustentabilidade do sistema público de Segurança Social.’
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