segunda-feira, novembro 11, 2013

Esta Europa contra nós


• João Galamba, Esta Europa contra nós:
    'O Presidente da Comissão Europeia (CE), Durão Barroso, seguramente “confirmando o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e liberdades fundamentais e do Estado de direito” e “resolvido a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade”*, decidiu ameaçar o Tribunal Constitucional (TC) Português de que podia estar o caldo entornado se este insistisse em agir como se, em Portugal, “a validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas dependesse da sua conformidade com a Constituição”**.

    Durão Barroso garante que não ameaçou ninguém, limitou-se a informar o TC das “implicações de determinadas decisões” e a dizer que, se as medidas constantes do Orçamento de Estado para 2014 forem chumbadas, terão de ser substituídas por outras, “provavelmente mais gravosas”. Como é evidente, não estamos perante uma ameaça, mas apenas perante uma advertência de um Durão Barroso, que, mais do que Presidente da CE, é um patriota e um amigo de Portugal. E é como patriota e amigo que ele nos oferece, generosamente, uma reinterpretação do número 3 do artigo 3º da Constituição da República Portuguesa: a validade das leis em Portugal não depende da sua conformidade com a Constituição, mas da sua conformidade com as conveniências da Troika e do governo português em funções.

    Ao mesmo tempo que Durão Barroso ameaça um órgão de soberania e faz chantagem com um Estado Membro a braços com uma terrível crise financeira, económica e social causada pelas impostas medidas de austeridade, a CE, no âmbito do seu Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos, decidiu institucionalizar a desigualdade de tratamento entre Estados credores e devedores. Um país que tenha um défice externo superior a 4% tem de pôr em prática um conjunto de políticas para o corrigir, sob pena de pesadas sanções financeiras. Os países excedentários têm (inexplicavelmente, porque os excedentes também prejudicam o equilíbrio macro económico da União) direito a outro tipo de tratamento. Para além de só se considerar haver um desequilíbrio quando os excedentes são superiores a 6%, em caso de violação desse limite não há lugar a qualquer sanção financeira, apenas piedosas e pífias exortações.

    A Comissão Europeia de Durão Barroso não se comporta como a guardiã de Tratados que respeitam a igualdade entre Estados e que tem como um dos seus pressupostos constitutivos a existência de um Estado de Direito Democrático em cada um dos seus Estados Membros. Faz, sim, o seu exacto oposto agindo contra-- senão a letra-- seguramente o espírito dos tratados e tem contribuído para criar uma comunidade de desiguais que é incompatível com qualquer ideia (aceitável) de Europa.'

* Preâmbulo do Tratado da União Europeia
** Artigo 3º, número 3, da Constituição da República Portuguesa

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