sábado, dezembro 21, 2013

"É a cega política de austeridade que ameaça as pensões"


• Vieira da Silva, Um desafio à República [hoje no Público]:
    ‘A decisão do Tribunal da redução do valor das pensões já atribuídas a aposentados e reformados da administração pública é uma decisão de enorme significado. Por três razões principais: pela sua substância, pela unanimidade que registou e pelo processo político em que se insere.

    Pela sua substância, já que a decisão de considerar não constitucionais alterações significativas dos valores de pensões já atribuídas foi, maioritariamente, justificada pelo princípio da confiança. A evocação maior desse princípio é um decisivo contributo, precisamente, para a consolidação da relação de confiança entre o Estado e o cidadão, perigosamente posta em causa pela continuada insistência governamental em tudo submeter à lógica orçamental de curto prazo.

    Pela unanimidade da decisão, que representa aquilo que é um consenso social muito alargado na sociedade portuguesa em torno da importância de defender o Estado de direito e os elementos fundamentais de coesão nacional e social. Onde se inclui uma particular preocupação pelo equilíbrio intergeracional.

    Mas também pela natureza deste processo, onde assistimos a uma inusitada vaga de condicionamento da decisão do tribunal. Através da legítima produção de extensa argumentação em favor desta medida e através da irresponsável desvalorização do papel e subversão da natureza do Tribunal Constitucional, dentro e fora de portas.

    Esta era a medida que Passos Coelho disse ter sido "desenhada" com particular atenção face aos riscos de inconstitucionalidade. É também por isso que esta nova derrota no terreno do Estado de direito, no terreno da lei, é uma enorme derrota de uma política e da coligação que a sustenta.

    E é também uma derrota de uma política de quem prossegue uma política que fere fundo a Segurança Social enquanto a culpa. Nas são as pensões que põem em causa a política económica de recuperação, é a cega política de austeridade que ameaça as pensões.

    Honraria a democracia ver o Governo da República aceitar esta decisão unânime como ela é: uma expressão de um grande consenso nacional. E abandonar a tentação da culpabilização alheia, da diabolização da vigilância constitucional ou da lógica vingativa de castigar os portugueses pelo falhanço da sua política.

    O que honraria Portugal e os portugueses era assistir à coragem dos responsáveis pelos destinos do país afirmar claramente: esta foi uma decisão da República, vamos segui-la e assumi-la, sem medidas de substituição nem truques de engenharia financeira. Quem na Europa das liberdades e do império da lei nos poderia contestar?

    custo adicional de 0,25% do PIB no défice seria um preço aceitável por esta afirmação do princípio da confiança e muito provavelmente, bem feitas as contas, até talvez o custo orçamental, a existir, fosse bem menor. Porque a Lei da República e a confiança também contam para o PIB.’

Sem comentários :