terça-feira, fevereiro 18, 2014

A chatice das pessoas que pensam pela sua cabeça


• José Vítor Malheiros, A chatice das pessoas que pensam pela sua cabeça:
    ‘(…) É evidente que existem no pensamento de Leonor Parreira [secretária de Estado da Ciência, ajudante de Crato] algumas confusões que deram origem a actos menos reflectidos da sua parte, mas é importante que os analisemos.

    A primeira confusão diz respeito ao papel do CNCT. A secretária de Estado ou não sabe que o CNCT é um órgão consultivo ou não sabe o que significa “consultivo” ou sabe ambas as coisas mas está decidida a não se deixar acanhar por estas minudências. É grave que um membro do Governo tente pressionar um órgão consultivo para que este emita uma “opinião” que sirva determinados interesses políticos. Mas tão ou mais grave do que isso é que a secretária de Estado não perceba que existe valor numa posição que nasce de uma discussão livre no seio de um órgão colegial (cujos membros, para mais, foram escolhidos a dedo pelo próprio Governo) e que uma opinião encomendada pelo poder não vale sequer o papel em que possa ser escrita. Esta confusão na cabeça de Leonor Parreira — motivada, sem dúvida, por aquilo que o seu discernimento lhe sugere serem os mais altos interesses nacionais — é tanto mais grave quanto nos faz duvidar não só da sua capacidade de valorizar a importância de uma opinião livre mas nos faz duvidar de todos os casos em que a própria tenha emitido uma opinião. Se Leonor Parreira interferiu na acção do CNCT da forma como o fez, é porque pensa que tem o direito de o fazer. E se pensa que tem esse direito é porque considera que um cientista (ou um colégio de cientistas) apenas deve emitir as opiniões que convêm ao Governo ou aos partidos que ocupem num dado momento o Governo. Digamos que esta é, no mínimo, uma posição difícil de conciliar com a atitude científica.

    Outra das confusões é quanto ao seu papel como “presidente em exercício” do CNCT. Leonor Parreira parece não ter compreendido que o seu papel neste caso lhe permite orientar os trabalhos, mas não lhe dá autoridade para mexer no texto final. O texto é dos conselheiros, não do presidente. Como parece não ter compreendido que o envio prévio do texto era uma cortesia e não uma oportunidade para usar o lápis azul.

    Mais grave do que tudo acima, Leonor Parreira não parece perceber esta coisa da democracia, com estas coisas da liberdade de discussão e de opinião e o confronto de ideias — o que é igualmente estranho para um cientista. Para Leonor Parreira, as críticas do CNCT demonstram “má-fé” porque só pode estar de boa-fé quem concorda com o Governo ou escreve o que o Governo dita mesmo que não concorde.

    Curiosamente, a todas estas questões vem somar-se uma aparente ingenuidade difícil de admitir num governante. Como é que a secretária de Estado pode ter imaginado que conseguia mandar calar estes vinte cientistas respeitados e obrigá-los a mudar o seu texto? Haverá algo, na sua prática como governante, que a fez acreditar nisso? (…)’

1 comentário :

Sousa Mendes disse...

Era bom explicar à Senhora Secretária de Estado que, pretensões semelhantes ás dela já tinha a Santa Inquisição, quando obrigou Galileo Galilei a negar a sua teoria segundo a qual, a terra era redonda e girava à volta do sol.
Ora é em sequência de tal prepotência que se lhe atribui a famosa frase: "Eppur si muove ou E pur si muove (mas se movimenta ou no entanto ela se move, em português).
Como consta da Wikipédia: Do ponto de vista simbólico, a frase sintetiza a teimosia das provas científicas contra a censura da fé, a quintessência da rebelião científica contra as convenções de autoridade.