quarta-feira, fevereiro 12, 2014

A rasteira do circuito da carne assada

As opiniões dividem-se acerca da expulsão de António Capucho do PSD: pode um militante mancomunar-se com terceiros contra o seu próprio partido? Julgo que a questão que interessa não é tanto esta — cuja resposta me parece óbvia —, mas antes a questão de saber como é que um fundador do PSD, secretário-geral e vice-presidente laranja, ministro, deputado à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, presidente de câmara e conselheiro de Estado se deixa envolver numa situação em que só lhe resta demitir-se ou forçar a sua própria expulsão.

O PSD formou-se numa lufa-lufa para dar voz à direita. Sá Carneiro, que tinha tido a clarividência de se afastar a tempo da Acção Nacional Popular de Marcello, juntou à sua volta as gentes que a adesão à EFTA arejara e, para não ficar limitado aos votos das principais cidades, chamou a si as “forças vivas” do Portugal profundo, que antes tinham convivido alegremente com o regime deposto.

Durante décadas, albergaram-se, sob o chapéu-de-chuva das setinhas, tecnocratas e plutocratas, liberais e personalistas, humanistas e ex-fascistas, populistas e conservadores. O acesso ao poder manteve de pé este instável casamento de conveniência, no qual coexistiam as mais improváveis personagens: eruditos e analfabetos, industriais e arrivistas, professores universitários e taxistas, artistas de coreto e profissionais liberais, construtores civis e pessoal das autarquias.

Entretanto, o país foi sofrendo uma profunda alteração. O abandono dos campos e o crescimento atabalhoado das cidades criou um militante laranja de “tipo novo”: já não aquele que é permeável à agitação dos fantasmas do PREC, mas o que se mobiliza a troco de ter acesso à rede clientelar do PSD. Servindo o partido em clubes desportivos, misericórdias, sociedades recreativas, associações de bombeiros, comissões de moradores e nas colectividades mais esconsas que se possa imaginar, esta gente tem consciência que passou a ter poder.

Foi com o apoio destes militantes de “tipo novo” que Passos Coelho preparou o assalto ao aparelho de Estado. E são eles que, sentindo-se agora com direito a ser mais do que figurantes na passagem do líder pelos circuitos da carne assada, exigem lugares nas direcções-gerais, nas empresas públicas e municipais, nas vereações e nos órgãos intermédios e locais do partido. Com uma lógica imbatível: dando eles o corpo ao manifesto, porque é que hão-de ser os barões, entretidos a tomar o chá das cinco, a ocupar as sinecuras, ainda por cima muitos deles atascados em negócios obscuros (como no BPN)?

Foi este movimento que empurrou António Capucho para fora do PSD. O ex-conselheiro de Estado, que um dia defendeu que “o Governo [de Sócrates] tem de levar uma rasteira - uma rasteira legal, claro! - e sair”, acabou por ser rasteirado pelo pessoal que monta e desmonta o circuito da carne assada. E saiu teve de sair para não se tornar uma inexistência. Escolheu fazê-lo como mártir, à espera de uma ressurreição.

PS — Ana Sá Lopes, no epitáfio que hoje escreve no Semáforo do i, descobre ter sido o PSD um partido “social-democrata”: “Ser expulso do PSD quando o PSD deixou de ser um partido social-democrata não ficará mal na biografia de António Capucho. As convicções pagam-se de formas variadas e Capucho continuará a ser uma voz livre.” De tanto se insistir nesta lenda, ainda acaba por alguém acreditar nisso. Quem é que representou a “social-democracia” no PSD? Fernando Nogueira, por ter construído o Estado laranja de que falava Portas n’O Independente? O seu braço direito, Marques Mendes, por distribuir ao fim-de-semana os cheques que reunia no Conselho de Ministros da quinta-feira anterior? Aguiar Branco, encarregue de escrever o programa da “social-democracia” para o século XXI, no qual sustentou que “o Estado Social está caduco”? Quem?!

12 comentários :

ignatz disse...

Os estatutos do PSD estabelecem, no número 4 do artigo 9.º, que «cessa a inscrição no partido dos militantes que se apresentem em qualquer ato eleitoral nacional, regional ou local na qualidade de candidatos, mandatários ou apoiantes de candidatura adversária da candidatura apresentada pelo PPD/PSD».

o carapuço, sócio-fundador do barrete social democrata, deve ter votado estes estatutos. não percebo a indignação.

Anónimo disse...

Não há indignação, teve o que mereceu e com um gostinho especial pois esse safardanas nada mais foi do que um ( mais um) oportunista do PPD, toda a vida.
Que vá finalmente fazer pela vida a pulso próprio.Assim como deviam muitos dos que nessa quadrilha, perdão, partido ainda militam.
Por mim era deita-los todos ao lixo, não valem mais que caca de cão.

james disse...

Gostava de ter escrito este post.

ignatz disse...

" Não há indignação..."
nem queiras saber o temporal de indignação e incómodo que assolou o país nas últimas 24 horas, até o extorvador engoliu o capuchinho laranja.
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3682241

Anónimo disse...

O Capucho teve uma morte de grilo no psd.
A Ana Sá Lopes coitada, não sabe o que diz porque não diz que nada sabe sobre nada, a não ser, o seu ódio de estimação ao Sócrates. Há cretinos menos cretinos que outros.

Anónimo disse...

o capucho também queria ser um afeiçoado do passos, só que este não o quis (quis outros capuchos). quando o capucho abandonou a câmara de cascais por doença (?) pôs-se logo à disposição para ser deputado com o objectivo explícito de ser presidente da assembleia da república. e começou logo, logo o seu trabalhinho dizendo mal do governo em funções (aparecia frequentemente na porqueira do crespo) e para isso até inventou a famosa rasteira, que acabou por ser uma rasteira ao país. como depois não foi escolhido tornou-se mais um ressabiado, o que acontece com muita frequência em Portugal. nada disto tem a ver com convicções (tomara que fosse) como pretende a sonsa sá lopes.

Baltazar Garção disse...



Quem representou a social-democracia no PSD? Emídio Guerreiro. Sousa Franco. Sérvulo Correia. Mota Pinto (com reticências...). Meneres Pimentel. Todos contra Sá Carneiro - e todos anteriores a Cavaco Silva, claro!

Ant.º Capucho, esse, nunca passou de mais um aparelhista, ainda que sempre com falinhas mansas. A fascizante Vera Lagoa é que lhe chamava, no PREC, o "capuchinho vermelho": e deve ter sido o maior elogio de toda a sua "brilhante" carreira política...

Anónimo disse...

Boa descrição, a da génese do PSD.
Com o espectro político ocupado à esquerda e à direita, Sá Carneiro apressou-se a criar um partido "pragmático", que soube incluir gente que antes do 25 de Abril nada incomodou e nada foi incomodada, pequenos empresários, comerciantes e agricultores (os latifundiários já tinham ingressado no seu partido natural, o CDS, ou continuavam a ser fascistas não reciclados), gente assustada com o PREC, com tendências de direita ou sem saber um pintelho do que é ideologia.
Neste caldo informe, que nunca nada teve de social-democrata, foram coexistindo intelectuais menores, cantores pimba, patos bravos do mundo empresarial, arrivistas, criminosos variados, gente simples ou semi-analfabeta mas com vontade de enriquecer, e tipos ao estilo do Relvas (que é uma categoria à parte).
O resultado de um partido que se construiu com os restos que já não couberam no sistema partidário da altura (PS, CDS e PCP), só poderia ser um conjunto de personagens patéticas e/ou irritantes, mas sempre medíocres, como Marco António de Gaia, Passos Coelho, Marques Mendes, Cavaco Silva, Alberto João Jardim, Duarte Lima, Oliveira e Costa, Dias Loureiro ou, numa categoria só dele, Miguel Relvas.

Evaristo Ferreira disse...

Subscrevo a totalidade deste post. Todavia, permito-me acrescentar duas notas ao que aqui têm deixado os leitores do CC.
O Capucho entrou em rota de colisão com Passos Coelho quando este lhe retirou a passadeira vermelha por onde devia chegar à Presidência da Assembleia da República. Passos passou Capucho para segundo lugar, para dar o primeiro ao Nobre da AMI. Capucho não gostou desta cena.
Sé Carneiro (um tiranete e birrento dirigente) tramou o panorama partidário português quando deixa a sua raíz popular (PPD) e passa a ser PSD/PPD... Ora socialista ou social-democrata era o PS. Nunca o PPD.
Ainda hoje a política portuguesa vive num grande engano, e coloca os eleitores no abismo.

Anónimo disse...

O PSD nunca foi um partido Social Democrata e tem infiltrado no seu seio elementos da Extrema Direita.
Aquela designação é um rótulo enganador.
é por isso que a imprensa internacional quando se refere ao PSD português coloca sempre à frente do nome ,entre parêntesis, (Direita) ou (Liberal).

Anónimo disse...

Este capacho foi um dos que pensou que se alinhasse na golpada contra o Sócrates havia assim um lugar muito importante à sua espera....

eles hão de se comer todos

Anónimo disse...

O PPD é neste momento o filho da direita reaccionária, aquela que ficou a vêr navios com a queda do regime salazarento, mas que depressa se recompôs e começou a trabalhar para regressar ao poder mais tarde.
40 anos depois aí estão, na pele dos filhos, ressabiados, porcos, imbecis e indignos, que por não terem o background tradicionalista dos pais conseguem ser ainda piores do que estes no oportunismo, maldade e complexo de superioridade (se bem que mais incompetentes e teatrais que os paizinhos).
A culpa do estado a que isto chegou é no entanto de todos! Não apenas dos politicos, mas dos idiotas que se orgulham de nada perceber de politica, dos imbecis que não se dão ao trabalho de pensar estratégicamente e se recusam a votar ( não, idiotas, não são mesmo todos iguais), como se a democracia fosse possivel manter por obra e graça do espirito santo quando os palermas que por ela deviam zelar se demitem de o fazer.
Imbecil da abstenção, atenta no seguinte :
SE OS POLITICOS QUE LA ESTÃO NÃO TE OUVEM VOTA NOUTROS PARA QUE AQUELES NÃO VOLTEM LÁ MAIS, CAPISCE?
é dificil de perceber?!