quarta-feira, março 05, 2014

O Estado-Providência

• Irene Flunser Pimentel, O Estado-Providência em Portugal não tem 50 anos. Tem menos de 40 anos:
    « O título deste texto pode parecer totalmente escusado, pois no longuíssimo prazo, em História, “tanto faz” que o Estado social tenha nascido, dez anos antes ou dez anos depois, ainda para mais porque se vive, em Portugal e noutros países europeus, um período em que ele está a ser desmantelado (pelo actual governo, e não pelos sucessivos governos nos últimos anos).

    No entanto, considero que é importante a questão e a distinção entre situar-se a emergência do Estado social há 50 anos, ainda durante a vigência do regime ditatorial de Marcello Caetano, ou posteriormente. É que entretanto houve um acontecimento de grande importância, o golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, que não possibilitou apenas a transição para a democracia, mas também, entre outros factores, o nascimento do Estado-Providência em Portugal.

    A afirmação de que o seu surgimento foi há 50 anos não se relaciona apenas com aspectos historiográficos, mas tem motivos claramente políticos e ideológicos. Tenta-se dizer com isso que o 25 de Abril de 1974 era escusado e até foi prejudicial pois que, quiçá, do “marcelismo”, se poderia ter feito uma transição para a democracia “à espanhola”, através de um processo reformista mais “doce”, poupando Portugal a uma ruptura política. Não vou entrar por aí, pois também podem ser atribuídas razões políticas e ideológicas à minha afirmação de que o Estado social não surgiu na vigência de Marcello Caetano no poder, quando me esforço por ficar no campo da História (na certeza que existe sempre, também neste, a interpretação).

    Além do mais, não entro por aí, pois não sou adepta da História contrafactual, talvez porque me falte imaginação para ser ficcionista. No entanto, não posso escapar a colocar algumas questões: seria possível enveredar pelo Estado Providência, só possível em democracia, com a manutenção da guerra colonial e do afastamento da então CEE? Mesmo se a continuação dessa guerra já não tinha como objectivo manter o império colonial, mas, como disse Caetano, a “defesa do Ultramar impôs-se-nos, pois pela necessidade moral de preservar vidas e bens daqueles que, em territórios secularmente portugueses, portugueses são” (Depoimento, Rio de Janeiro, Record, 1975, p. 225).

    Ao invés de entrar por aí, prefiro dizer por que afirmo que o Estado Providência não nasceu em Portugal com Marcello Caetano, ao citar o próprio. Desde já, também digo que ele também não emergiu com Bismarck, na Prússia, como alguns dizem, ou até com as ditaduras que enxamearam a Europa nos anos trinta e quarenta do século XX. Sim, porque esses regimes de “omnipotência estatal” (a frase é do próprio Salazar, referindo-se ao Estado hitleriano), podem também ser caracterizados como “Estado social”: por exemplo, foi durante o regime nacional-socialista que trabalhadores alemães puderam, por exemplo, realizar cruzeiros à Madeira, através da organização de tempos livres “Força pela Alegria”. Evidentemente, esse “Estado social” não beneficiava milhões de outros alemães, entre os quais comunistas, socialistas, homossexuais, ciganos e judeus.

    É que uma das características – não tenho aqui espaço para descrever todas elas – do chamado Welfare State – que nasceu na Europa, pela mão de Beveridge e do Partido Trabalhista britânico, elaborado durante a II Guerra e colocado em prática no pós-guerra –, é precisamente a sua universalidade, que também não existiu na vigência de Marcello Caetano. Este governante português foi aliás o primeiro a especificar, nos anos 70, já após ser apeado do poder, que a lógica do seu “Estado Social” - ele assim lhe chamou – não deixava de ser “corporativa”. O que Marcello Caetano fez, quanto a mim, foi reformar o Estado corporativo salazarista, sem sair da lógica corporativa, enquanto que o que aconteceu, após 25 de Abril de 1974, foi a emergência em Portugal de um Estado-Providência, à semelhança do existente em quase toda a Europa ocidental. Se ele está condenado ou não, neste terrível século XXI, não sou capaz de profetizar – a História também não, nem é esse o meu ponto aqui. No já referido seu livro Depoimento (pp. 124-127), escrito no exílio brasileiro, o ex-chefe do governo português teve o cuidado de esclarecer que tinha tentado erguer o “Estado social”, “a partir do corporativismo”, cuja história em Portugal relata, a partir de 1933, bem como a do lançamento, a partir de 1934, das “bases da previdência social”, também corporativa. (…)»

3 comentários :

Evaristo Ferreira disse...

É sempre bom ler a história dos factos económicos e sociais, contada por quem sabe e a conhece,

Anónimo disse...

Há uma diferença capital que tristemente não vejo abordada por "quem sabe e conhece".

Antes do nascimento do Estado Providência, que advoga ter nascido após 1974, os grandes grupos económicos privados (que empregavam a esmagadora maioria da população ativa) esploravam os trabalhadores obrigando-os a trabalhar muito em troca de pouco, no entanto, eram obrigados a prover escolas, hospitais e locais de laser. Hoje em dia, em pleno estado providência, só esploram. O resto é fornecido por todos nós, ou seja,pelo Estado.

Anónimo disse...

Comprei uns oculos graduados em Abril de 1970 pagos pela segurança social e acabou com o trabalho à jorna na estiva - já com o Marcelo Caetano

Zé da Adega