terça-feira, maio 27, 2014

Bem-vindos ao deserto da pós-democracia

• João Galamba, A abstenção como sucesso:
    «(…) Quando as eleições de pouco ou nada servem para alterar o rumo da política europeia, este resultado torna-se inevitável. Mas nem todos vêem o desinteresse e a desmobilização dos cidadãos como algo necessariamente negativo.

    No seu artigo "The Economic Conditions of Interstate Federalism", publicado em 1939, Friedrich Hayek defende que uma ordem internacional pacífica e estável tem de ser uma união entre Estados que limite ao máximo a capacidade de intervenção de cada estado no funcionamento do mercado, anulando a maioria dos instrumentos nacionais de política económica, sem no entanto criar a nível supra-estadual quaisquer mecanismos de intervenção substitutivos. Hayek defendia aquilo que na gíria ficou conhecido por processo de integração negativa, que, na prática, corresponde à criação de uma ordem liberal federal que neutraliza a capacidade das instituições democráticas de interferirem no funcionamento dos mercados. O famoso défice democrático não seria, para Hayek, uma degenerescência, mas sim um dos objectivos estratégicos de todo este processo.

    Para Hayek, o consenso keynesiano e social-democrata que marcou a política europeia do pós-guerra, e que esteve na base da construção e aprofundamento do chamado modelo social europeu, tinha de ser desmantelado e substituído por um outro, de cariz essencialmente liberal. Olhando para os desenvolvimentos da União Europeia desde finais dos anos 80, sobretudo desde Maastricht, é difícil não concluir que Hayek ganhou em toda a linha e que o projecto europeu é hoje, na sua essência, uma máquina de liberalização das economias e das sociedades europeias.

    O manietamento (crescente) dos Estados nacionais, o esvaziamento dos poderes económicos e orçamentais dos parlamentos, o princípio da concorrência (sobretudo fiscal) entre Estados, um banco central independente e sem qualquer mecanismo de escrutínio democrático, a ideia de que o Estado Social e os direitos dos trabalhadores são um entrave ao desenvolvimento e crescimento económico; enfim, tudo isto corresponde a uma utopia liberal que, tragicamente, tem vindo a ser institucionalizada na Europa e que se impõe sob o signo da necessidade.

    Numa entrevista recente à jornalista Teresa de Sousa, Vítor Gaspar - que sabe do que fala - reconheceu a influência das ideias de Hayek no processo de construção da UEM e diz mesmo que esse caminho, o defendido por um dos pais da contra-revolução neoliberal, "é precisamente o caminho que estamos a seguir na Europa". Quando o objectivo é esvaziar a democracia, o desencanto e a alienação dos cidadãos não são defeito, são feitio. Bem-vindos ao deserto da pós-democracia.»

2 comentários :

Anónimo disse...

É da minha vista ou o João ficou mesmo muito abalado com estes resultados eleitorais?

Manel disse...



frederico hayek ? quem é ?