sábado, maio 03, 2014

Não há milagres... mas há o Manifesto dos 74


• Augusto Santos Silva, Não há milagres:
    «O Governo fez o contrário do que disse que faria. O compromisso do primeiro-ministro, de que não haveria desta vez aumento de impostos, foi reduzido a pó pelo Documento de Estratégia Orçamental (DEO). Há vários aumentos. Aumenta a taxa social única, na parte que é devida pelo trabalhador. Aumenta a taxa normal do IVA. E aumentarão vários impostos específicos sobre o consumo, em termos ainda por precisar.

    O significado de mais esta reviravolta não deve ser menorizado. Para todos os efeitos, e em português suave, Passos Coelho tentou enganar as pessoas. Em bom português, mentiu. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que o faz, desde o tempo inicial em que garantia que tudo se resolveria à custa das "gorduras" do Estado, estando salários e pensões a salvo de qualquer investida.

    O Governo deu também mais uma vez razão à ideia de que uns são filhos e outros enteados. Aumenta o IVA, aumenta a TSU, mantém a sobretaxa do IRS, vai aumentar outros impostos e taxas, mas baixou a tributação sobre os lucros das empresas.

    Ficam umas promessas, a mais importante das quais é muito nebulosa: os salários da Função Pública serão repostos no nível nominal de 2011 aí até 2019, embora evidentemente nada vá depender do atual Governo a partir de 2016 e pelo meio haja cortes nos suplementos e unificação da tabela salarial. Certa é a bandeira eleitoral para o próximo ano: a reposição de 20% dos salários e cortes menos profundos nas pensões. Basicamente, o Governo espera que alguns euros a mais nos bolsos das atuais vítimas principais (que são os funcionários e os reformados) possam diminuir a sua raiva; e conta, por outro lado, com uma relativa diluição dos efeitos contrários no conjunto dos contribuintes e consumidores.

    Veremos a seu tempo se isto terá algum seguimento. Mais importante, agora, é olhar para a questão de fundo. O que o DEO mostra, uma vez mais, é que, sem alterar a restrição orçamental em que nos movemos, estamos a condenar ao corte continuado dos rendimentos. Seja por via dos salários e pensões, seja por via dos impostos, é apenas disso que se trata: quebrar os rendimentos, isto é, fazer empobrecer. Ao mesmo tempo, reduzindo o serviço público em áreas tão importantes como a educação, a saúde e a proteção social, continuaremos a cortar rendimentos, apoios e oportunidades às pessoas e, em particular, às de menos posses.

    Ora, só podemos ultrapassar este fado triste e inútil se conseguirmos mudar o quadro orçamental. Podemos fazê-lo de três formas, que não são exclusivas. A primeira é intervir no denominador: fazendo crescer o produto, diminuímos o peso da despesa e o valor do défice, porque ambos são rácios do produto. Quer dizer: com políticas favoráveis ao crescimento e ao emprego (e nelas não se contam certamente aumentar o IVA e a TSU), melhoramos a situação orçamental.

    Asegunda forma é reduzir o serviço da dívida (que é superior a 4% do PIB anual). Podemos fazê-lo reduzindo as taxas de juros, alargando os prazos de pagamento ou reduzindo o montante a pagar. E a terceira forma é suavizarmos o processo de consolidação, tornando menos draconianas as metas de redução a cumprir ano a ano.

    A segunda e a terceira forma são as que permitem a parte mais substancial da folga de que precisamos para políticas económicas e de emprego. A possibilidade de usá-las depende da nossa vontade e capacidade para renegociar com as instituições europeias, agora que a troika se vai embora, as condições de pagamento da dívida pública portuguesa.

    Quer dizer: o conteúdo do DEO é a melhor prova da razão que assiste aos subscritores do Manifesto dos 74, o tal que pediu uma renegociação da dívida. É que, sem ela, não conseguiremos escapar a esta sina que nos obriga a escolher entre aumentar impostos ou diminuir salários. Não há milagres

1 comentário :

Anónimo disse...

A minha interpretação do que se está a passar é a seguinte:

1- A coligação dá de barato que vai perder as europeias.
2- Há uma forte hipótese de Cavaco convocar eleições antes da data prevista para 2015...
3 - A coligação, vai dar tudo e mais alguma coisa com promessas ou não. O objetivo é ganhar as próximas eleições custe o que custar, mentindo ou não , dando inclusive algumas buchas para virar eleitorado.
4 - quando ganhar as eleições ,´seja de que maneira for, aí sim, tem que COMPLETAR O DESMANTELAMENTO do país!
5 - Isto só lá vai com a cumplicidade de Cavaco (e outras pressões tipo troka, mercados etc), que, estou convencido, vai alinhar.
6 - Assim, o que se está a passar é já a colocação em prática do plano para as próximas legislativas!
7- O PS, com Seguro, não vai lá (2015).