segunda-feira, junho 30, 2014

Recusar a culpa

Curvar-se perante o marco euro alemão

• João Galamba, Recusar a culpa:
    «O acto de contrição de Cavaco perante o seu homólogo alemão, Joachim Gauck, mostra, mais uma vez, como o debate em torna da natureza da crise que vivemos não é sobre o passado. É sobre o futuro. Para Cavaco, para Passos, para Portas, e para os nossos credores, Portugal tem a crise que tem por culpa própria. A expiação é, portanto, um dever nacional.

    Seja porque não soube adaptar-se às exigências da moeda única, seja porque viveu acima das suas possibilidades, seja porque não fez as reformas que devia, seja porque foi despesista e não se preocupou com a sustentabilidade do Estado Social, seja porque não travou as PPPs - seja qual for a versão escolhida desta história, todas pressupõem que a nossa crise é, na sua origem, uma crise de finanças públicas, causada por uma certa forma de despesismo.

    Quem pensa assim nunca conseguirá verdadeiramente criticar e opor-se às políticas deste governo. Pode dizer que foram excessivas, pode dizer que foram injustas, pode lamentar os seus resultados, mas não pode dizer que são erradas. Se o problema é o despesismo, então a austeridade - em maior ou menor grau - é necessariamente a solução.

    A rejeição das políticas deste governo requer uma alternativa à narrativa que as sustenta. Sem essa alternativa, estamos condenados a jogar no terreno do adversário. E a perder.

    Desde meados dos anos 90 que Portugal tem acumulado dívida externa, sobretudo privada. Com a crise financeira internacional de 2008, o mecanismo através do qual essa dívida era financiada implodiu. Quando o Estado interveio, o que era uma crise de balança de pagamentos, transformou-se numa crise de finanças públicas. A crise de finanças públicas não é uma causa, mas sim uma consequência da crise.

    É simplista e redutor interpretar os nossos desequilíbrios externos como sendo causados por despesismo. Se olharmos para a primeira década do século como o culminar desse alegado excesso, incorremos mesmo num erro factual: entre 2002 e o início da crise, Portugal foi, juntamente com a Alemanha, o país da zona euro onde a procura interna menos cresceu. A ter havido um período despesista, ele ocorreu entre 1997 e 2001, período em a procura interna cresceu quase o dobro da média da zona euro. Depois disso, e até ao início da crise, não houve qualquer tipo de "festa".

    O que caracteriza a chamada década perdida não é o despesismo, mas sim uma fortíssima desaceleração do crescimento económico. E é sobretudo a estagnação económica que explica o aumento do peso do endividamento na economia, não o contrário.

    A estagnação económica deve-se a vários choques, todos eles negativos.

    Depois um curto mas forte crescimento na procura interna, que a adesão ao euro e a queda das taxas de juro havia tornado possível, acabou a "festa". O investimento em construção, por exemplo, está em queda desde 2002. Ao mesmo tempo, o país assistiu a uma significativa alteração das suas condições de competitividade. O alargamento a leste agravou a condição periférica do país, na medida em que desviou fluxos de investimento privados, que não foram compensados por um reforço dos fundos europeus. A entrada da China no comércio internacional, teve efeitos assimétricos nos diferentes estados-membros. A estrutura e especialização produtiva Portuguesa foram fortemente afectadas. E a apreciação do euro só agravou a situação.

    Quando a crise chegou, Portugal estava a responder a estes choques e a investir no combate aos défices estruturais da economia portuguesa, procurando requalificá-la. A chamada década perdida é, na verdade, uma década de profunda transformação estrutural. É uma década de resposta a sucessivos choques, não é uma década de despesismo e desvario. Os números, pelo menos, não o mostram.

    A crise financeira de 2008 não veio expor os pecados do país e os seus alegados excessos, mas sim as suas fragilidades e as contradições de uma união monetária incompleta e disfuncional. Para quem não se conforma com a culpa, para quem não aceita a narrativa que divide a zona euro entre países virtuosos e pecadores, esta é a primeira lição a aprender.»

6 comentários :

Anónimo disse...

5 estrelas.

Anónimo disse...

Sr. Galamba e Srs Abrantes,

Eu gostava de fazer um pedido, tratem lá de correr com o Seguro e depressinha.

O Seguro não sabe o que quer (para além de ocupar espaço), não dá uma para a caixa, não aquece nem arrefece. E como figura decorativa deixa muito a desejar. Até no simples papel de opositor é confrangedor. E este país necessita de uma oposição que espevite o govero a fazer o que tem de fazer.

Eu não conheço bem o Costa e não tendo a mesma fé que os "camaradas" socialistas nas capacidades dele, mas venho lembrar que o país (e os interesses dos portugueses) não se podem dar ao luxo de terem uma oposição desorientada e imobilista. E qualquer Costa (mesmo que mau) é preferível a este Seguro.

Veja lá se resolvem os vossos problemas (e façam o favor de por o vosso burocrático camarada no seu devido lugar, com o respeito que se deve a um camarada, como é óbvio), para bem de todos nós.

Um cidadão anónimo, conservador e de direita.

(essa mistificação que a direita prefere o Seguro é uma tolice e uma prova que há tolos na direita, uma pessoa que tem medo da sua própria sombra é um traste e um inútil)


Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


E este comentário das 14:10 é a prova de que também haverá pessoas inteligentes, sensatas e patriotas na Direita conservadora.


Valha-nos isso...

Anónimo disse...

Estou de acordo

Anónimo disse...

Este jovem João Galamba (à parte algum radicalismo próprio de idade) tem as ideias no sitio e o sangue na guelra. É um politico promissor, não corrompido pelas JOTAS e pelas sinecuras; grande presença física e intelectual, grande poder argumentativo, habilidade, clareza e excelente base cientifica(economista e filosofo), mundo profissional anterior à politica, visão teórica ampla e internacional. Era bom que o PS patenteasse mais gente desta, gente honesta e voluntariosa, com mundo, com vida própria e saber. Mas a base de recrutamento tem sido essencialmente o aparelhismo e a mediocridade.

Maria disse...

para verificar o valor de João Galamba, basta ir ao expresso lêr os comentarios raiovosos ao seu artigo; li os sessenta e tal comentarios que lá estão e no fim perguntei-me se serão pessoas de verdade que os escreveram ou se será já a máquina de assassinar caracteres que foi posta em marcha; agradeço a quem estiver por dentro dos acontecimentos que abanam o PS me diga, quais são as previsões ?? isto vai mesmo continuar assim até Outubro?? será possivel que AJS convença os portugueses apesar de tudo o que não foi e não fez nestes 3 ultimos anos ?? vejo pouco as noticias portuguesas mas parece-me que as televisões tendem descaradamente para Seguro apesar de ler em alguns artigos que não, que é Costa o preferido dos midia. Mais uma vez e como sempre, para os simples amadores de politica, a verdade é muito dificil de discernir !!