segunda-feira, setembro 08, 2014

«O discurso de Draghi em Jackson Hole consegue ser
simultaneamente revolucionário e conservador»

• João Galamba, Um passo em frente não basta para sair do lugar:
    «(…) O discurso de Jackson Hole marca uma nova fase deste processo, mas também o seu esgotamento. Constatando que a retoma do emprego e do crescimento económico continuam a ser uma miragem, Draghi veio dizer, não que a austeridade é um erro e não está a funcionar, não que as reformas estruturais não fazem aquilo que era esperado, mas que a austeridade e as reformas estruturais são insuficientes se nada for feito para promover a procura agregada. Acontece que Draghi não pode dizer isto sem entrar em contradição, porque a austeridade e as reformas estruturais, embora complementares entre si, são ambas incompatíveis com qualquer tipo de política que vise aumentar (no curto e no longo prazo) a procura agregada numa economia.

    No contexto actual não é possível recalibrar nem ajustar, é preciso admitir o erro que foram certas opções políticas, recuar e apostar em verdadeiras alternativas. E isso começa pelo reconhecimento de que o pacto de estabilidade e crescimento e o tratado orçamental, nas suas actuais configurações, deprimem necessariamente a procura e têm de ser revistos. Uma solução, por exemplo, passaria por excluir o investimento público (por exemplo, todas os montantes necessários para garantir a comparticipação nacional dos fundos europeus) do cálculo do défice relevante para o cumprimento das regras orçamentais. Outra passa por recalcular o défice estrutural, reforçando a componente cíclica. Seja qual for a opção seguida, uma coisa é certa: pensar em políticas orçamentais de austeridade "mais amigas do crescimento" ou em "reformas estruturais que aumentem a procura", como tenta fazer Draghi na parte propositiva do seu discurso, é ilógico. Se a procura agregada é um problema, a actual política europeia não está incompleta, está errada; e a estratégia da fuga para a frente que havia sido seguida até aqui está esgotada.»

2 comentários :

Rosa disse...



Sempre arguto e sabedor João Galamba...e penso que tem razão.

Anónimo disse...

Uma das coisas que mais me surpreende (tal é assim, visto que sou ignorante), é como a subserviência é total. Total. Lembra-me aqueles tempos das monarquias, durante os quais as ordens dos reis não eram questionadas, eram, isso sim, seguidas à risca, mesmo que os "súbditos" tivessem cabeça para ver que a "ordem real" era uma loucura. O que se passa na Europa parece ser exactamente isso. Ninguém se atreve a afrontar "o rei"? Até a própria França, se submete (Hollande e a sua purga!). O que se passa na Europa? Quem é que manda? Há mesmo um "rei"? É que parece mesmo...