domingo, dezembro 21, 2014

Ir ao fundo


• Augusto Santos Silva, Ir ao fundo:
    «(…) Até agora, não lidei com nenhuma questão penal. Ela foi introduzida por quem de direito - o Ministério Público -, que suspeitou de pessoas, as questionou, umas como arguidas, outras como testemunhas, fez eco público dessas suspeitas e fundamentou-as, e ao longo de vários anos manteve, sobre advogados, empresários, altos dirigentes do Estado e das Forças Armadas e responsáveis político-partidários uma nuvem de suspeição que a todos prejudicou severamente, pelo menos em termos de reputação pública e profissional. E, uns nunca acusados, e abortada a acusação no caso de outros, a todos, sem exceção, seria devido um gesto de reparação.

    Repito: a todos; e sem formulações ambíguas, cujo efeito útil é prolongar a suspeição. Em matéria penal, não se fazer prova de acusação não pode significar outra coisa que não seja corroborar a inocência.

    Mas, do ponto de vista institucional, há um plano ainda mais importante para a reflexão coletiva e pública. Ele diz respeito à cultura e à eficácia do desempenho do Ministério Público. A somar a tantos outros, o caso dos submarinos é sintoma de uma doença que corrói a administração da justiça criminal.

    Para quem vê de fora (e, por isso mesmo, pode ter uma perceção distorcida ou incompleta), o MP padece de várias maleitas. Falta de autoridade do topo da sua hierarquia. Precipitação nas acusações. Gestão política e/ou corporativa dos processos. Perniciosa cumplicidade com a imprensa mais tabloide. Um discurso sindical e corporativo inaceitavelmente justicialista. Desprezo pelos danos reputacionais causados infundada e/ou prematuramente a pessoas e instituições. Preguiça na investigação. E uma concentração obsessiva na desculpa da falta dos meios ou na influência dos "poderosos", concentração inversamente proporcional, aliás, à dimensão e qualidade dos resultados obtidos.

    Não estou a dizer que o MP deva acusar, ou pedir a condenação, só para salvar a face. Estou a dizer o contrário. Sugiro que quem manda no MP devia olhar com olhos de ver para esta sucessão de equívocos e fracassos. Isto, claro, se o MP quiser voltar de novo à superfície.»

1 comentário :

Rosa disse...



Muito claro, Augusto Santos Silva...como convém analisando um assunto tão delicado como este...