sábado, março 21, 2015

Manual da investigação preguiçosa e eficiente

• Rui Patrício (advogado), Manual da investigação preguiçosa e eficiente:
    «O título parece remeter para um paradoxo ou um delírio. Mas não, trata-se apenas de um exercício de ficção (que, felizmente, não tem qualquer semelhança com a realidade, nem por mera coincidência), e já se sabe que a ficção é boa a harmonizar contrários e a oferecer lições sob a forma de aparentes delírios. Se Orwell ou Huxley regressassem ao mundo dos vivos e se pusessem a imaginar um futuro opressivo e nada admirável, teriam de incluir nos seus escritos pelo menos um capítulo sobre a investigação criminal, não só porque o processo criminal se tornou protagonista da (pós)modernidade, mas também porque é um bom medidor da saúde ou da doença de uma sociedade.

    Ora, imagino – e imagino apenas, porque a realidade que conheço e vivo é diferente, claro – que Orwell ou Huxley fariam o tal capítulo em jeito de manual, enunciando as regras de ouro de uma investigação simultaneamente preguiçosa e eficiente. Se bem aplicadas, e especialmente se acumuladas – duas, três ou todas –, permitiriam que uma investigação sentadinha e em feliz descanso fosse eficiente ou até mesmo muito eficiente.

    Primeira regra: prenda-se preventivamente o suspeito ou o co-suspeito, mesmo que os perigos que justificam a prisão tenham de ser, digamos, dramatizados, e espere-se que ele, cansado de estar preso, dê uma colaboraçãozinha ou se arrependa um pouco ou bufe qualquer coisa, após o que se poderá ponderar a libertação. E basta esperar sentado. A eficiência pode tardar, mas na maior parte dos casos chegará, de uma forma ou de outra. E será, bem-haja, uma eficiência para todo o processo, pois as declarações valem para sempre.

    Segunda regra: escute-se muito ao telefone, e interprete-se ainda mais, pois já se sabe que a luz nasce da interpretação, sobretudo quando – em vez de gastar energia a procurar, a dissecar ou a pensar – se pode preguiçar, de auscultadores postos, e esperar que a preguiça aguce a imaginação (perdão, a interpretação).

    Terceira regra: aposte-se forte na prova indirecta, aquela que permite a qualquer investigador sentado em remansoso descanso, e a qualquer julgador bem sintonizado com ele, descobrir e construir o que, levantado e à procura, levaria muito mais tempo a descobrir, se é que descobriria. Deduza, imagine, deduza da dedução, induza, lucubre. Como diria a Floribela, sirva-se de uma super-hiper-mega prova indirecta, e verá que chegará ao resultado, mesmo que pelo caminho possa ter dado regalados bocejos.

    Quarta regra: procure cedo jornalistas, para que estes, conscientes ou não, lhe vão dando uma mãozinha na arena pública, e vai ver que, passo a passo, o seu caso se faz, primeiro na arena pública e depois – com sorte, sintonia e/ou preguiça – na arena do processo. A quarta regra talvez seja a mais importante de todas, sobretudo em certo tipo de investigações, mas qualquer das outras já dará um bom contributo para demonstrar que preguiça e eficiência podem andar de mãos dadas. Na ficção, naturalmente.»

11 comentários :

Anónimo disse...

Excelente texto !

Anónimo disse...

Afinal ainda andam para ai perdidos muitos espíritos claros e honestos.

Anónimo disse...

É bom a gente saber que o nosso espírito não está só !
Obrigada por me deixar saber que pensa como eu !

A.R. disse...

Muito bom.

Anónimo disse...

BOA MALHA!!!!!!!!!!!!!!

Anónimo disse...

Das peças mais acultilantes que tenho lido sobre o estado a que isto chegou. Mas o povo está sereno ! Nada se passará até que se passe com os que moram lá em casa. Entretanto, a FN francesa partiu para a corrida dos 30%. Não auguram nada de bom, estes ventos que por aí sopram.

MR

Anónimo disse...

SE alguém pensa que a CORPORAÇÃO está de boa fé...desengane-se.

O maior perigo para a liberdade de cada um vem de um Estado de Juízes sem controlo...

Em que se benzem uns aos outros.

E se alguém julga que pode ficar a assistir sentado porque é com o vizinho do lado...Desengane-se...

Na roleta da CORPORAÇÃO...alguém será o próximo.

É isto o Estado de JUIZES

O Estado de Direito...Já era...
Foi um pretexto para o assalto
É um pretexto para calar os mansos...
E os cobardes

Magus Silva disse...

IMPRESSIONANTE!
Estou deveras impressionado com o avanço da investigação.Sem trabalho, praticamente sentado à espera que a prova caia do céu ou que o investigado apodreça na prisão, e o investigador, altivo e refastelado, com possível espírito de vingança ou de sucesso,vê passar em frente dos seus iluminados olhos, um quadro negro de hipotéticos crimes. E, antes que isso aconteça, pode ir deambulando com arcaicos e sábios ditados, como: quem cabritos vende e... ; um olho na horta, outro no...; ou ainda, se ele já fez isto, é bem capaz de fazer aquilo.
E assim vai andando a moderna investigação.

Anónimo disse...

Mais um gravíssimo sintoma do desvario e esboroamento do nosso estado de Direito

Pedro Carrilho disse...

Tanta prima dona, a primeira, segunda e terceira regra dos acusados vip é negar, negar e negar, depois suscitar incidentes processuais q o dinheiro paga bons advogados é para isso mesmo, nunca vemos por exemplo um réu destes vips a negar o conteúdo de uma escuta, não, o q vemos é um generalizado protesto vindo dos seus apaniguados contra as escutas e assim por aí fora, por isso é bom assistir à justiça a funcionar, com os seus defeitos, claro, com juízes q n sabem redigir um acórdão, mas com os poderosos q meteram este país na sarjeta finalmente a serem incomodados.

Júlio de Matos disse...



Tás é a precisar de muito tratamento, pedro carrilho...