domingo, março 22, 2015

«Palestina é um trapo roto, roído por mil traças»


• Alexandra Lucas Coelho, Um pesadelo para acordar:
    «1. Enfim bons motivos para celebrar as eleições israelitas: acabou o blá-blá-blá sobre o processo de paz, o futuro Estado palestiniano, o empenho do Governo de Israel, a única democracia do Médio Oriente. A vitória de Netanyahu é o fim da sonsice após décadas de banho-maria. Ele disse, finalmente, que é contra um Estado palestiniano; apelou aos “judeus de direita” que corressem a votar contra o “risco” da “quantidade de árabes [israelitas]” habilitados a votar; e um seu ministro sugeriu decapitar os árabes israelitas “desleais” ao Estado. Com os dentes assim para fora, fica difícil para a Europa e sobretudo para os Estados Unidos continuar a fingir que há aqui um processo de paz, um futuro Estado, um empenho, uma democracia. Não por acaso Obama ainda não ligara a Netanyahu três dias depois das eleições (data em que escrevo), e não por acaso o que entretanto corre é que a Casa Branca pondera, finalmente, apoiar a resolução das Nações Unidas sobre o reconhecimento de dois estados nas fronteiras de 1967. Isto, quando Israel conseguiu manter o statu quo durante tempo q.b. para parecer irrealista voltar às fronteiras de 1967. Se Netanyahu deixa de fazer de sonso, é porque já não precisa.

    2. As palavras foram frontais. Avigdor Lieberman, ministro israelita dos Negócios Estrangeiros: “Quanto àqueles [árabes israelitas] que estão contra nós, nada a fazer. Temos de pegar num machado e cortar-lhes a cabeça.” E Benjamin Netanyahu, depois de confirmar a um entrevistador que nunca criará um Estado palestiniano: “Penso que alguém que hoje estabeleça um Estado palestiniano e evacue territórios estará a dar campo ao islão radical para atacar Israel.” Os optimistas dirão que Netanyahu ganhou apesar disto, os pessimistas dirão que ganhou por causa disto, mas que não haja qualquer distância relevante entre uns e outros só expõe o vazio de décadas de negociações, tapado pelo blá-blá-blá. A estratégia, frontal, de Netanyahu é a da antievacuação: continuar a colonizar os territórios palestinianos, tornando cada vez mais impossível qualquer Estado palestiniano nas fronteiras de 1967. E o resultado é que, geograficamente, a Palestina é um trapo roto, roído por mil traças, como qualquer pessoa pode verificar apenas indo lá, mesmo sem poder ir a Gaza, o que qualquer pessoa não pode, mesmo. (…)»

1 comentário :

Júlio de Matos disse...



Muito bom, sem dúvida, este Artigo de Alexandra Lucas Coelho!


Retenho em especial a frase citada de Bansky: «Se num conflito entre poderoros e sem-poder optarmos pela indiferença, isso significa não a nossa neutralidade, mas sim que estamos a tomar o partido dos poderosos!».


E subscrevo totalmente as questões éticas de ALC: eu pessoalmente também nunca iria a Israel, fosse por que razão fosse.


Em contrapartida, vou tentar ir a Avis nesta Páscoa (a Avis, sim, não a "Aviz")...