quinta-feira, abril 23, 2015

O aprendiz de feiticeiro

• Pedro Bacelar de Vasconcelos, O aprendiz de feiticeiro:
    «(…) O verdadeiro projeto do aprendiz de feiticeiro resumia-se a uma única ideia, fundada em preconceitos antropológicos vulgares e algumas doutrinas na moda, e nunca mereceu um esforço de validação racional por sofisticados "cenários macroeconómicos": era apenas a ideia de que o empobrecimento do país - induzido pelo desemprego, a redução abrupta dos rendimentos dos trabalhadores e a extinção de serviços públicos - seria capaz de gerar uma nova ordem económica livre do peso do Estado e alimentada por uma força de trabalho dócil e barata. No "Estado mínimo", resolvia-se automaticamente o problema do défice orçamental. A iminência da bancarrota, providenciada pelo chumbo expedito do quarto programa de estabilidade e crescimento - o tão deplorado PEC IV - foi o atalho mais curto para criar um "estado de exceção" à sombra do "memorando de entendimento" imposto pelos credores da dívida soberana. Por um golpe de magia, a "revisão constitucional" estava pronta e acabada... e o povo resignava-se a expiar um "passado de dissipação e opulência" que não merecia porque, de facto, nunca dele tinha beneficiado.

    Quebrado o feitiço, chegou-se ao fim desta "rua de sentido único", como na parábola de Walter Benjamin, e descobriu-se que era um beco sem saída. Do pretenso milagre apenas resultou pobreza extrema e penosa humilhação. Os serviços públicos essenciais degradaram-se, a economia estagnou e, apesar das promessas e dos truques de contabilidade e prestidigitação, a dívida continuou a crescer. A "austeridade", agora denominada como "determinação no aprofundamento das reformas estruturais", já não ambiciona o prometido "choque" redentor mas apenas perpetuar-se como um modo de vida e garantia de sobrevivência dos seus inventores. (…)»

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