domingo, maio 31, 2015

«O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar
bens e rendimentos e criminalizar a sua violação»


• Fernanda Palma, Novo Enriquecimento:
    «A Assembleia da República aprovou ontem uma lei que criminaliza o enriquecimento injustificado. O crime consiste em "adquirir, possuir ou deter património incompatível com os rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados" e pode ser praticado por qualquer pessoa, embora as penas, cujo máximo vai até oito anos de prisão, sejam agravadas para titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos.

    Mas existe um precedente que torna a medida duvidosa. Por acórdão de 4 de abril de 2012, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional uma lei que previa o crime de enriquecimento ilícito. A lei nunca entrou em vigor, porque o Presidente da República pediu a fiscalização prévia da constitucionalidade e a votação do acórdão foi categórica: só se registou um voto de vencido e mesmo esse foi parcial.

    Esta decisão do Tribunal Constitucional nem sempre é compreendida pela opinião pública. Afinal, um político (ou outra pessoa) que exibe uma fortuna inexplicável não pode ser obrigado a provar a sua origem, sob pena de ser sancionado? A dificuldade reside em a nossa Constituição consagrar o direito ao silêncio e a presunção de inocência do arguido e atribuir à acusação o "ónus da prova" em processo penal.

    Em 2012, o Tribunal Constitucional entendeu ainda que não havia um bem jurídico claramente definido. Agora, a lei afirma que o crime atenta contra o Estado de Direito. Duvido de que essa proclamação baste. Porém, o maior problema resulta de a norma legal configurar um estado de coisas e não um facto. O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar bens e rendimentos e criminalizar a sua violação.

    No entanto, se a lei entrar em vigor, uma última questão que se coloca é a do seu âmbito de aplicação temporal, que deveria ser limitado pela proibição constitucional de retroatividade das normas que preveem crimes e penas. Se o crime for punível abstraindo do facto que originou o enriquecimento, a lei poderá ser aplicada ao passado e o procedimento criminal não estará sujeito a um regime de prescrição

2 comentários :

Anónimo disse...

Isto é tão complexo grave, jurídica e politicamente, que assim feito a golpe no final da legislatura só pode ser tramóia para o futuro governo, políticos e detentores de cargos públicos. Tudo em vésperas de saída pela porta alta, dos negócios de estado dominados pelas centrais lobistas com passadeira vermelha PSD-CDS,directamente para os negócios, em pagamento dos favores feitos.

Anónimo disse...

Pode ser que quem assim legisla acabe caçado pelas suas próprias "leis".