segunda-feira, novembro 02, 2015

Saúde mental: descontinuação e desintegração de cuidados


• Ana Matos Pires, Saúde mental: descontinuação e desintegração de cuidados:
    «(…) Tudo isto ficou na gaveta durante cinco anos surgindo, muito recentemente, legislação que, não tendo revogado a anterior, é a descontinuação e desintegração dos (inexistentes) cuidados continuados integrados de saúde mental ou, dito de outra maneira, é a opção política pela inexistência de cuidados continuados integrados de saúde mental.

    Leal da Costa dizia ao jornal Expresso, em setembro, que "é preciso ter honestidade na discussão deste problema e admitir que existirá sempre uma população que não foi por encerrar os hospitais psiquiátricos que desapareceu, pessoas com doença mental grave que necessitarão de apoio residencial. As tentativas de desinstitucionalização sem retaguarda, confiando em famílias inexistentes ou indisponíveis, levaram ao agravamento de fenómenos como o dos sem-abrigo."

    Concordo em absoluto, "é preciso ter honestidade na discussão deste problema". Vamos a isso.

    Assumir que sempre existirá uma franja de doentes mentais que necessitam de residências de apoio máximo (ou mesmo moderado) é uma verdade incontestável, daí essa solução estar prevista mas não ser a única – nem, do meu ponto de vista, a que responde pela maioria das necessidades.

    Já achar, e defender, que o "agravamento de fenómenos como o dos sem-abrigo" se deveu à desinstitucionalização e não à forte crise económica que vivemos é demagogia e "inverdade", para dizer o mínimo. A maioria das famílias não estão "indisponíveis", não têm é recursos nem saber, o que é substancialmente diferente. E mais, se as alternativas de “retaguarda” à desinstitucionalização não surgiram ao governo se deve, e a Leal da Costa como seu membro, a lei inicial tem mais de cinco anos.

    Por ser necessário honestidade importa assumir que, com as recentes determinações legais, (a) estamos a tentar dar resposta aos sem-abrigo com patologia mental; (b) estamos a falar de apoios sociais básicos – cama, comida e roupa lavada; (c) a opção é mais caritativa que solidária e que não é clínica; (d) estamos a fazer opções económicas erradas, porque piores e mais caras, e muito questionáveis em termos da sua seriedade; (e) estamos a ir contra lei naquilo que é a sua determinação da necessidade de uma articulação com “os serviços locais de saúde mental (SLSM) e com a rede nacional de cuidados continuados integrados (RNCCI)"; e (e) não estamos a falar de cuidados continuados integrados de saúde mental como um todo e como são (internacionalmente) discutidos e conceptualizados. Nessa perspetiva, estamos a retroceder, sim.

    Termino com as palavras do psiquiatra Fidalgo de Freitas ao jornal PÚBLICO a 14 de setembro último, “Além do “desrespeito pelas instituições particulares de solidariedade social, que há anos têm trabalho nesta área”, o médico nota que muitas unidades são no interior do país, Soure, Ponte de Lima, Pinhel, todas com “residências de apoio máximo”. “Não consta que haja assim tantos doentes mentais nestas áreas, o que significa que os doentes vão ser levados para lá. É um regresso aos asilos, só que mais bonitos por fora.”. Tenho uma importante discordância com ele, duvido que os novos asilos (ou serão os verdadeiros asilos?) sejam “mais bonitos por fora” que os anteriores.»

3 comentários :

pedro carrilho disse...

este foi promovido a ministro, quem sabe por ter afirmardo que os milhares de infelizes que morreram o ano passado devido aos cortes orçamentais, estavam a ser bem atendidos...a propósito, já repararam que a rtp, sem data nenhuma que o justifique, anda desde as eleições a falar do prec de 75, do perigo da deriva esquerdista que se correu, etc, pena não falar do prec atual -2011/15...- que é o processo reacionário em curso, interrompido por momentos, que segue já de seguida, para acabar com o que resta de nós e do país!!!

A.R. disse...

Creio que os portugueses irão passar maus momentos com esta "desatenção" à saúde mental. O envelhecimento da sociedade, pelo menos, exigiria uma outra resposta.

Anónimo disse...

Excelente texto! É isso mesmo que tem de ser feito, coisa que este ministro sinistro nunca conseguiria pensar e muito menos fazer. M.