quarta-feira, abril 12, 2006

Mais do mesmo

Conforme prometido, eis a parte respeitante à justiça da crónica (“Mais do mesmo”) de Miguel Sousa Tavares no Expresso do último sábado:

    ‘Eu julgava que, depois dos mandatos do dr. Baptista Coelho à frente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), em que a classe de juízes se afirmou perante a opinião pública como um corpo fechado e corporativo, avesso a qualquer espécie de autocrítica e insensível ao desprestígio e tremendo fiasco da Justiça enquanto serviço público, já não seria possível aos juízes continuaram, cegos e surdos, por esse caminho suicida.

    Mas parece que me enganei. Com a eleição do desembargador António Martins para suceder ao dr. Baptista Coelho, a ASJP, ao que se comenta, escolheu o caminho da radicalização ainda mais extremada. E, se dúvidas houvesse, a curta entrevista do novo dirigente sindical dos juízes portugueses ao EXPRESSO da semana passada é suficiente para as dissipar.

    As respostas do dr. António Martins a duas simples perguntas contêm todo um programa de acção que é uma verdadeira declaração de guerra a um poder político, que dir-se-ia usurpado em golpe de Estado e não sufragado a eleições pelos portugueses.

    Desde logo, acusa ele o Governo de ter delineado «uma cavalgada de ataque ao poder judicial» que antecede a instauração da «lei da selva». E não encontra melhor exemplo para isso do que a possibilidade de acesso de «juristas de reconhecido mérito», que não são magistrados de carreira, aos Tribunais Superiores — possibilidade esta que, prevista há longos anos na lei, acaba agora de ser exercida apenas pela segunda vez, em benefício de uma mulher, cuja competência jurídica é pública e notória. Mas, em defesa da fortaleza corporativa dos juízes, o dr. António Martins vê nisto uma tentativa clara do Governo de «quebrar a independência dos tribunais e controlar o poder judicial». Como se alguém vindo de fora do sistema, e aliás aprovado pelo Conselho Superior de Magistratura, que os juízes dominam, não pudesse, por definição, ser independente!

    O segundo exemplo que arrola é a proposta da comissão de revisão do Código Penal de que os governantes e deputados em efectividade de funções só possam ser julgados nos Tribunais da Relação, coisa que ele vê como a criação de «um sistema especial de justiça para os políticos». É possível que sim, mas o que não deixa de ser eloquente é que o dr. António Martins finja esquecer-se que do mesmo sistema especial beneficiam os juízes há largos anos, sem que isso pareça incomodá-los, antes pelo contrário.

    O terceiro exemplo é mais grave: o dr. António Martins insurge-se contra a possibilidade de as escutas telefónicas, em lugar de autorizadas por um juiz, passarem a sê-lo «por uma comissão administrativa nomeada pelo Governo», o que, em sua opinião, «violaria o princípio constitucional da separação de poderes». De facto, violaria. Só que há uma substancial diferença entre o que ele diz e o que se discute. Ninguém põe em causa que as escutas, em processo-crime, continuem a ser autorizadas exclusivamente por um juiz: o que se propõe é que, depois, haja uma comissão – nomeada pelo parlamento e não pelo Governo – que controle de forma genérica o uso que os juízes fazem dessa poderosa arma de investigação, que é também um poderoso instrumento de devassa da vida das pessoas. E o que o dr. António Martins parece desejar é que os abusos cometidos, a negligência e a irresponsabilidade, bastas vezes vindas a público nesta matéria tão sensível, continuem em roda livre, sem que ninguém os controle. Que os cidadãos se disponham a abdicar pacificamente daquilo que são direitos constitucionais absolutos a favor do sagrado direito à impunidade dos juízes.

    É extraordinário que o representante da classe dos juízes – que funciona como verdadeiro porta-voz do poder judicial -, confrontado com as coisas inadmissíveis que têm vindo a público acerca da prática das escutas telefónicas, em lugar de reconhecer os erros cometidos e o desleixo verificado, em lugar de propor soluções para lhes pôr cobro e garantir efectivamente a protecção dos direitos de cidadania – que é uma obrigação de qualquer juiz -, nada mais tenha a defender do que a manutenção do estado de coisas actual, em obediência ao que afirma ser o princípio da separação de poderes. E, já agora, também é extraordinário que quem tanto se preocupa com esse princípio anuncie que o seu sindicato vai apresentar ao Governo «propostas concretas» de legislação em matéria penal e processual penal, as quais, obviamente, espera ver aprovadas. Onde fica a separação de poderes, quando o sindicato que representa os juízes se propõe ser ele a redigir as leis que os hão-de governar o que eles hão-de aplicar nos tribunais?

    Esta entrevista é exemplar da importância daquilo que está em jogo. Nenhuma reforma, por mais necessária e bem sucedida que seja, é tão importante quanto a urgente reforma da Justiça. Com os magistrados ou contra os magistrados. E é lastimável que o eng. Sócrates já pareça ter desistido de ir em frente, queimando tempo, energias e «momentum» nas espadeiradas sem nexo de um ministro da justiça que, claramente, não surge talhado para o desafio.’


2 comentários :

Anónimo disse...

Incrível!!!!!!!!

«Responsável de lar de Setúbal absolvida.
Tribunal considera castigos corporais a um jovem deficiente«aceitáveis» »
(Expresso on line)

Anónimo disse...

FALSO.
Ela foi condenada.
O Expesso mente.
Basta ler a sentença que está publicada no site da DGSI.