Lê-se e não se acredita. Por estranho que pareça, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) fez seu o parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses sobre a proposta de revisão do Código Penal, subscrito pelos juízes Pedro Soares de Albergaria e José Mouraz Lopes.
Das críticas do Conselheiro Santos Bernardino, vice-presidente do CSM, não se pode dizer o que Marcelo Caetano disse a um doutorando nas suas provas: “o que é original é mau e o que é bom não é original”. Infelizmente, a crítica do Conselheiro Santos Bernardino é má e não é original.
1. Tecnicamente, o vice-presidente do CSM está enganado: não se está a equiparar a união homossexual ao casamento. Está-se a equiparar a união de facto homossexual à união de facto heterossexual. Essa equiparação é imposta pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, que proíbe discriminações com base na orientação sexual.
Vou explicar devagarinho, para ver se os críticos conseguem entender.
Actualmente, o Código Penal equipara os maus tratos conjugais aos maus tratos praticados no âmbito de uma união de facto. Eis a prova: “a mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos” (artigoº 152.º, n.º 2, do Código Penal). A mesma pena é a pena do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal — prisão de um ano a cinco anos.
Perante esta norma, não há dúvida nenhuma de que, no Código Penal, a relação conjugal já é equiparada à união de facto. Uma boa interpretação do Código Penal já hoje obriga a considerar que a união de facto tanto abrange uniões homossexuais como uniões heterossexuais.
Eu disse uma “boa interpretação”? Vou dizer de outra maneira: é a única interpretação que é admitida pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, embora o vice-presidente do CSM se borrife nela.
A única alteração feita na proposta de revisão do Código Penal é praticamente um esclarecimento. O legislador vem dizer que as relações análogas às dos cônjuges de que já hoje se fala tanto podem ser homossexuais como heterossexuais.
A crítica que talvez se pudesse fazer à proposta é que esse esclarecimento deveria ser escusado. Mas esta crítica seria injusta. Juízes como Pedro Soares de Albergaria, Mouraz Lopes e Santos Bernardino estão aí para provar com clareza que afinal o esclarecimento é necessário.
Perante um regime constitucionalmente obrigatório, arvoram-se em consciência moral da nação, e dizem que é indispensável um “alargado debate nacional”. Já agora, Senhores Doutores, não querem um debatezinho alargado para saber se a Constituição deve ser cumprida? Não é verdade que os tribunais estão obrigados, acima de tudo, a cumprir a Constituição (artigo 204.º)?
2. Depois de tão ponderosa critica, o vice-presidente do CSM ficou também muito preocupado porque o artigo 170.º da proposta de revisão do Código Penal prevê que pode ser punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias quem constranger uma pessoa a um contacto de natureza sexual. É preciso compreender que o Código Penal já hoje pune, com esta pena, quem praticar perante outra pessoa um acto exibicionista.
Quem aparecer nu perante outra pessoa pode ser punido. Isto não preocupa o Conselheiro santos Bernardino. Mas já o preocupa que possa ser punido com a mesma pena uma pessoa que apalpar os seios a outra à força. É disto que se trata — e se o código não for alterado, esta conduta pode ser considerada lícita, porque não é acto sexual de relevo e não merece certamente uma pena de prisão até oito anos (artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal).
É claro que o vice-presidente do CSM não fala de um apalpão no rabo ou de um apalpão nos seios, mas sim de um encosto nos transportes públicos. Mas o que o autoriza a interpretar assim a norma?
Um encosto destes é um contacto de natureza sexual (a não ser que seja um encosto como aquele que Daniella Cicarelli e o seu namorado deram e que ficou imortalizado no YouTube)? Parece que o Conselheiro Santos Bernardino acha que os seus colegas estão sempre prontos a “interpretar” o direito de forma disparatada.
De qualquer maneira, esta crítica volta a revelar pouca sensibilidade aos princípios da igualdade e da proporcionalidade. É absurdo achar que o exibicionista merece punição e o importunador deve ficar impune. Só uma visão moralista e retrógrada do direito penal sexual pode sustentar esta conclusão.
3. Por último, a fazer fé no DN, a delegação do CSM que se deslocou à Assembleia da República criticou o regime da liberdade condicional, que permite que o condenado seja libertado depois de cumprir metade da pena, se o tribunal achar que não há perigo de reincidir nem de perturbar a paz pública.
Mais uma vez, os juízes desconfiam dos seus pares. A liberdade condicional não é obrigatória. Pode ser concedida nessa altura ou mais tarde, se (e só se) os tribunais de execução de penas entenderem que se justifica. Mas o vice-presidente do CSM não quer que os juízes tenham esse poder.
Este regime estava consagrado no Código de 1982 e foi retirado, de forma imponderada, em 1995, contra a vontade do Prof. Figueiredo Dias. Em 1995, a liberdade condicional, que pode ser concedida quando estiver cumprida metade da pena (a regra), passou a só poder ser concedida quando estiverem cumpridos dois terços da pena, quanto aos crimes mais graves. Mas este regime não se justifica, até porque pode ser num crime mais grave (por exemplo, um homicídio passional) que menos perigo de reincidência existe e mais fácil é a reintegração social.
Mas, acima de tudo, também aqui se revela desprezo pela igualdade e pela proporcionalidade. O que faz sentido é que a regra da liberdade condicional seja igual, em proporção, para todos os crimes (metade ou dois terços) e o que o tribunal decida, caso a caso, se se verificam os requisitos para a sua concessão. Por isso, o regime proposto é justo. E não tem nenhum sentido falar em economicismo. No fim de contas, quem concede ou nega a liberdade condicional são os tribunais.
sexta-feira, janeiro 19, 2007
A Cartilha do Marialva
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6 comentários :
«Não é verdade que os tribunais estão obrigados, acima de tudo, a cumprir a Constituição (artigo 204.º)?».É óbvio que estão obrigados a cumprir a constituição (em letra pequena), mas não estão obrigados a cumprir a Constituiçâo da República Portuguesa!Simplesmente porque esta constituição é juridicamente inexistente e a CONSTITUIÇÂO jurídicamente legal, NÂO EXISTE!Se alguém não perceber eu posso disponibilizar provas do facto que nem sequer o Provedor da Justiça, Ministério e Tribunal Constitucional se atrevem a contestar tão evidente é a fraude que nos obrigaram até agora a aceitar.Uma 1ª pista!Num artª o Vital Moreira a dada altura diz que se acabou o período de experiência da constituição!Bem hajam.
1ª pista:-«Mais do que a estabilidade governativa, a grande prova da consolidação dos regimes políticos é continuidade do consenso sobre as regras do seu funcionamento. É disso que temos gozado desde 1982, quando a primeira revisão constitucional encerrou o período "experimental" do novo sistema constitucional e ultimou a transição democrática em Portugal».Público, Terça-feira, 25 de Outubro de 2005.
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2ª pista:« Constitución Española aprobada por las Cortes en sesiones plenarias del Congreso
de los Diputados y del Senado celebradas el 31 de octubre de 1978.
-Ratificada por el pueblo español en referéndum de 6 de diciembre de 1978.
-Sancionada por S.M. El Rey ante las Cortes el 27 de diciembre de 1978.»
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Este pequeno exemplo vem dum povo e duma nação geográficamente bem próxima de nós mas a anos luz no que diz respeito á aplicação da DEMOCRACIA,CIDADANIA e o seu ensino e explicação a todo o povo! A mesma distância se aplica ao respeito da classe política e essencialmente da justiça e de grande parte dos juízes, magistrados e funcionários ( especialmente aqueles que têm um contacto mais directo com o povo que deveriam servir!
"ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges,"
"Tá td aqui"!
- como diria o outro
Aliás... já disse o que tinha a dizer lá LUA!
Como eu gosto da Mafaldinha
Capitulo 1
http://bloguedonao.blogspot.com/
deixas e contradeixas
Actor principal - Ze Pitogas
Actriz principal - Mafalda de Jesus
A estrear brevemente em todas as salas do país.
Realização, Produção e Encenação -
Zé Pitogas
É bom que deixes tudo isto claro como a água caro Miguelito (companheiro da Mafalda?), não vá dar-se o caso de o teu companheiro te dar uma boa carga de porrada por andares a gastar demasiado dinheiro ao Ministério em internet.
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