O Cardeal Patriarca, D. José Policarpo, não poderia ter arranjado representante mais extravagante do que a contestatária Mafalda para falar por si na blogosfera. Mafalda é prolixa e combativa. Tenho de concordar até que sabe algum direito. Mas assimila mal as coisas. Fala pela rama e não é capaz de raciocinar em profundidade quando é preciso.
Que diz Mafalda? Veja-se:
1. A interrupção voluntária da gravidez é uma questão religiosa, mas não é só religiosa. Pois claro! Aí joga-se uma contradição conhecida. A Igreja parte da ideia de que a vida, logo após a fecundação, é um bem sagrado porque é concebida por Deus, mas não pode assumir, numa sociedade laica, esse pressuposto. Por isso, a Igreja modifica a sua linguagem e serve-se de argumentos científicos (de preferência argumentos médicos) para intervir na discussão.
Sempre que o faz, jura a pés juntos que a questão da interrupção voluntária da gravidez não é um problema religioso. Mas, então, por que razão intervém como Igreja? A que título se trata do tema nas homilias dominicais? Claro que a azougada Mafalda não vê contradição nenhuma em tudo isto. Mas eu vejo.
2. Também não vê Mafalda contradição entre a admissibilidade da pílula do dia seguinte e a punição da interrupção voluntária da gravidez. Mas devia ver essa contradição. É que a pílula do dia seguinte actua sobre óvulos já fertilizados, antes da nidação. Ora, coerentemente para a Mafalda, a vida tem tanto valor nesse momento como depois da implantação no útero materno.
Claro que a lei penal não vai por este caminho. Ao contrário do que Mafalda afirma, não é uma questão de “doutrina maioritária”. A lei diz claramente que o aborto é um crime contra a vida intra-uterina. Alô, Mafalda, vida intra-uterina quer dizer vida dentro do útero, está bem?
Além disso, Mafalda, como a senhora é especialista em direito, não confunda “bem jurídico” com “objecto de acção”. “Bem jurídico” existe sempre, mesmo numa tentativa impossível de homicídio, que seja punível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal. O que Mafalda quer dizer é que, na pílula do dia seguinte, não se pode provar que haja “objecto da acção”, o que não impediria a punição por tentativa (se a tentativa fosse punível nos termos gerais). Não tem de quê, Mafalda. Escusa de agradecer esta reciclagem gratuita.
É claro que a Mafalda sempre pode ir dizendo que, no caso da pílula do dia seguinte, nunca se prova que haveria um óvulo já fecundado. Mas era coerente com as suas posições fundamentalistas que se previsse até a punição da mulher grávida por tentativa. Vamos fazer uma campanha por isso, Mafalda?
3. Mafalda, especialista em espantar-se com o que mil pessoas antes de si já descobriram, vem dizer que os adeptos do “Sim” não conseguem explicar a fronteira das dez semanas. Conseguem, Mafalda. O óvulo fecundado vai-se desenvolvendo. Às 12 semanas forma-se a estrutura cerebral e às 20 semanas começa a actividade cerebral superior. Neste trajecto há uma realidade biológica que se vai desenvolvendo.
Não sabe a Mafalda que o aborto não é punido tão gravemente como homicídio? Acha a Mafalda que, no caso de conflito entre a vida da mãe e a do feto, o médico e o pai podem decidir livremente o que fazer? É óbvio que não, Mafalda! Apesar da vida ter sempre valor, um ser autónomo não vale o mesmo que um óvulo fecundado.
4. Vamos ao essencial, Mafalda. O essencial é que não basta provar que a vida intra-uterina é valiosa para demonstrar que o aborto deve ser sempre punido. O direito penal rege-se pelo princípio da subsidiariedade. Só deve intervir quando isso é necessário e útil para defender bens jurídicos. Assim, as perguntas a que a Mafalda tem de responder são estas:
• Está convencida de que haverá mais casos de interrupção voluntária da gravidez se o “Sim” vencer?
• Aceita que as mulheres, na sequência da despenalização, vão sofrer menos?
• Partindo do princípio de que a pena de prisão não é aplicada, concorda com um direito penal simbólico (que, porém, causa malefícios às mulheres)?
19 comentários :
Los manuales y las enciclopedias de medicina hasta hace pocos años enseñaban claramente que la vida comienza en la concepción. (Ahora muchos lo esconden, no por razones de algún nuevo descubrimiento sino por política).
Considine, Douglas (ed.). Van Nostrand´s Scientific Encyclopedia, 5th edition. New York: Van Nostrand Reinhold Company, 1976, p. 943.
Moore, Keith L. Essencials of Human Embriology, Toronto: B.C. Decker Inc, 1988, p. 2; Dox, Ida G., et al.
The Harper Collins Illustrated Medical Dictionary. New York: Harper Perennial, 1993, p. 146
Sadlier, T.W. Langman´s Medical Embryology. 7th edition. Baltimore: William & Wilkins 1995, p3
Carlson, Bruce M. Patten's Foudations of Embriology. 6th edition, New York; McGraw-Hill, 1996, p.3.
Pretender ahora que la vida comienza algún tiempo después de la concepción, no obedece a la ciencia sino a grandes intereses que buscan justificar el aborto. No existe ningún argumento científico para justificar el cambio.
Al rechazar la verdad, algunos pretenden no saber cuando empieza la vida: ¿en la implantación?, ¿en la viabilidad del niño?, ¿al nacer?...
Se pensam que a vida que existe no ventre de uma mãe até ás 10 semanasn não é um ser humano tal como vós mas sim uma "coisa" irracional, ou dizendo por outras palavras,um animal irracional tal como um porco, vaca,galinha, etc...digam-nos então qual é o restaurante onde v. excª´s vão petiscar um feto de 7 semanas ou 10 asado no forno a lenha tal como na Bairrada. Ou então degustar um "feto à alentejana" com ameijoas!E que tal "feto com ovo a cavalo"? Bom proveito e só é pena o aborto não ter sido até agora mais selectivo.
Post's um bocadinho arrongantes para o meu gosto!
O José Policarpo e o Mário Pinto poderiam ensinar-lhe umas coisitas, ó Miguel...
Achei uns posts formidáveis ! Porquê o leitor anterior o considera arrogante ? O Miguel disse onde acha que o Mário Pinto tropeça e falou duma Mafalda e não do cardeal Policarpo.
La vida empieza cuando el niño es bautizado.
.
Isto hoje está cheio de beatos, em que uma mão bate no peito enquanto a outra agarra a carteira.
A Mafalda respondeu no blog dela. Não fui eu que coloquei lá o seu post Miguel.
Escreve a dita Mafalda:
"Respondendo ao Miguel,
1º o homicídio é uma questão com relevo jurídico. Bem como o furto. Não matarás, não roubarás... lembra-se? São alguns dos mandamentos. É por isso que deixam de ter relevo jurídico? Não.
2º O embrião é vida humana? Sim. Sendo vida humana é digna de tutela sim. Até os adeptos do sim parecem defender isto porque admitem a punição do aborto a partir das 11 semanas. Por que razão é que antes disso a questão é meramente religiosa?
3º Não lhe agradeço reciclagem alguma. Especialmente porque acho que devia tentar perceber o que eu digo. Primeiro, leia bem o artigo 23º, nº3 do C Penal. Segundo, deixe de se situar no plano do direito positivo e tente situar-se a montante no plano de política criminal. Verá que aí as minhas palavras sobre o fundamento da não criminalização do consumo de pílulas do dia seguinte fazem sentido.
3º Alô, Miguel, que tal não ser tão agarrado ao que a lei diz? É que, de facto, é uma questão de posição da doutrina maioritária. Há penalistas no nosso país que não subscrevem inteiramente a tese da nidação. Aconselhava-o a ler o Comentário Conimbricense do Código Penal., Verá que aí encontra posições para todos os gostos."
Oh Diabo, a Mafalda limita-se a chutar para canto ????
É pá isto já passou fronteiras. já veem para aqui falar estrangeiro e tudo. Sobre os mandamentos acho piada ao "não matarás" realmente tanta hipocrisia.
Afinal a Mafalda & os Não SA querem que as mulheres batam com os costados na cadeia ou não?
D. Mafalda : isso é bocadinho conversa da treta não acha ?
esta mafalda nao e' contestaria, e' louca
Concordo que estas são as perguntas:
• Está convencida de que haverá mais casos de interrupção voluntária da gravidez se o “Sim” vencer?
• Aceita que as mulheres, na sequência da despenalização, vão sofrer menos?
• Partindo do princípio de que a pena de prisão não é aplicada, concorda com um direito penal simbólico (que, porém, causa malefícios às mulheres)?
As respostas é que tardam.
Miguel
Estás a dar pérolas a porcos!
Abraço
João Pedro LM
«Benedictus XXI disse...
La vida empieza cuando el niño es bautizado».Caro amigo, a sardinha é um excelente alimento para o cerebro!SE não sabe qual o significado dessa frase, não espere que seja eu a perder tempo a explicar-lhe.MAs posso dar-lhr uma dica! Leia a Bíblia!
A tudo o que o Abrantes disse a Mafalda respondeu com aquilo? Mas ela tem a escolaridade completa?
O Blog do Não só vale esta conversa da treta? Se não há um milagre, não se salvam.
Caro Miguel Abrantes,
O seu post contém imprecisões científicas graves em relação ao desenvolvimento embrionário, que gostaria de corrigir:
1. "Às 12 semanas forma-se a estrutura cerebral". Não é verdade. Aquilo que, presumo, se refere é ao Sistema Nervoso Central (SNC) que se forma MUITO antes das 12 semanas. Às 10 semanas, as evidências anatómica (por ex. poder ser directamente vizualidado por ecografia) e fisiológica (por ex. a presença de actividade electroencefalográfica) são EVIDÊNCIAS CIENTIFICAS não passiveis de discussão.
2. "às 20 semanas começa a actividade cerebral superior". Não entendo o que considera ser actividade cerebral "superior". E porquê às 20 semanas. Pois asseguro-lhe que, antes dessa data, há um conjunto muito apreciável de evidências CIENTÍFICAS de actividade cerebral complexa do SNC, que tenho todo o gosto em lhe dar conhecimento, caso esteja interessado.
3. Independentemente das questões técnicas àcerca do desenvolvimento e função do SNC, nada disso altera a raiz da questão: às 10 semanas (para usar a data arbitrariamente definida no referendo) o que está presente é um ser humano, altamente diferenciado e complexo.
Não sei se estes dados alteram a sua opinião sobre a data limite das "10 semanas".
"É que a pílula do dia seguinte actua sobre óvulos já fertilizados, antes da nidação."
É pena que sejas analfabeto cientificamente e digas estas coisas, mas há gostos para tudo...
A pílula do dia seguinte actua sobre o revestimento do útero (endométrio) provocando o período à mulher (impedindo assim a nidação).
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