domingo, agosto 26, 2007

Sugestões de leitura

• Fernanda Palma, Desobediência civil:

    «(…) Há uma carta da prisão em que Luther King, invocando Santo Agostinho, justifica a desobediência civil contra a segregação racial. O Direito injusto é aí definido como aquele que degrada a personalidade humana.

    A desobediência civil não é uma qualquer violação da lei. Como diz Rawls, essa desobediência é não violenta, politicamente consciente e dirigida a uma mudança da lei.

    As pessoas negras que se sentavam na parte da frente dos autocarros nos Estados Unidos, desafiando uma proibição legal, são o melhor exemplo de desobediência justificada. Desobediência que foi essencial na luta pela igualdade de direitos.

    Na sociedade portuguesa, têm surgido várias situações de desobediência à lei. Recordo o caso das portagens, em que a força se revelou excessiva, e a não aplicação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez na Madeira, por muitos tolerada.

    Esta semana, o caso do milho transgénico assume idênticos contornos. Situações muito diferentes, na aparência, são semelhantes na perspectiva do Estado de Direito. A desobediência não pode substituir a acção política democrática.

    No caso do milho coloca-se ainda a questão dos limites à actuação da autoridade. Tratando-se de crimes de dano, sem violência contra as pessoas e sem resistência à polícia, o cumprimento da lei deveria ser assegurado na justa medida reclamada pelos valores em causa.

    Há uma pergunta difícil a que respondi, há anos, na minha tese de doutoramento. Poder-se-ia matar os ‘ecologistas’ agressores, para evitar a destruição do milho?

    Os defensores da ordem prussiana entendiam que se justificava, em defesa da ordem, o homicídio de um ladrão de maçãs. Também agora há quem entenda que a ordem deve ser defendida sem limites.

    O Estado democrático privilegia, porém, a vida e os bens pessoais. A Constituição e a lei requerem proporcionalidade e adequação na defesa dos direitos. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem determina que a autoridade só pode lesar a vida humana para defender pessoas.

    Quem fizer passar outra mensagem deve assumir que aceita a ordem como valor supremo, mesmo à custa da vida. E coloca-se, paradoxalmente, fora do Estado de Direito democrático.»

• Nuno Brederode Santos, HERÓIS DO MILHO:

    «Na Herdade da Lameira, em Silves, um garrido bando de irresponsáveis destruiu deliberadamente uma plantação alheia. Incapazes de Woodstock ou querendo fazer Porto Alegre ao pé da porta, terão talvez almejado só fazer das férias uma aventura. Um Kerouac On the road, sedentário e preguiçoso. E, já agora, uma biografia política a preço de saldos. Por isso, mascararam-se para a impunidade e confiaram numa glória sem risco. Para meu espanto, invocou-se uma "ordem moral, democrática e ambiental", Thoreau e a desobediência civil e quis-se ver ainda, no pequeno vandalismo, um épico desafio à Monsanto e a todas as multinacionais. Não foi uma cavalgada de Átila: cinco hunos no dorso de outros tantos burros teriam causado o mesmo dano em menos tempo. Mas a escassez noticiosa de Agosto acabou por corresponder da melhor forma às ambições dos intervenientes (entre os quais, muitos "jovens" com o dobro da idade requerida para a responsabilidade criminal). A comunicação social agigantou o episódio e os partidos recriminaram-se entre si. Antecipou-se um banco dos réus por onde passaram a GNR, por alegada insuficiência de efectivos, Miguel Portas, por uns eflúvios quase milenaristas de que depois se retratou, e o ministro da Agricultura, suspeito de roubar um nicho de mercado aos advogados. O primeiro-ministro foi intimado a tomar posição por líderes da oposição que não se deixam intimar pelos seus adversários internos.

    Feita que está a festa do debate democrático - que, na origem, foi pensado para coisas mais sérias -, era bom que deixássemos cair as hipérboles e nos entregássemos ao comezinho essencial. Houve uns senhores que destruíram, consciente e voluntariamente, o património de um outro senhor. Parece que ninguém duvida que o facto envolve responsabilidades. Criminal e civil. Proceda-se em conformidade. O tribunal, esse, é pago para ter de ouvir o Thoreau e a "ordem moral, democrática e ambiental". Nós não. Guarde-se, pois, para a sala de audiências o comício, patético e trapalhão. Depois, se os jornais quiserem fazer o favor de nos informar acerca do que o tribunal decidiu, a gente agradece. Se não ocorrer prescrição e ainda nos pudermos lembrar dos factos a que a sentença se refere.

    A vida em democracia (e o Estado de direito que a organiza) quer-se rica, não complicada.»

• Vasco Pulido Valente, Forças de Bloqueio (no Público de hoje):

    «(…) O dr. Cavaco sempre viu o mundo pela frincha da “sanidade e equilíbrio das finanças públicas” (que andam mal) e do crescimento económico. Na responsabilidade civil extracontratual do Estado o que ele teme (e não hesita em dizer) é que o Estado tenha de pagar a particulares muitas de centenas de milhões pelos prejuízos que eles sofreram e que pesariam inevitavelmente sobre o Orçamento. E também teme, como se compreenderá, a “sobrecarga” do judiciário e os “processos de averiguação”, que iriam com certeza revelar processos de administração, presumivelmente pouco compatíveis com a ideia de honestidade e limpeza da generalidade dos portugueses. Por outras palavras, Cavaco prefere não agitar a sopa (de que ele desconfia), em nome da dívida, do défice e da confiança. É uma escolha.

    Mas Cavaco objecta principalmente à responsabilização do executivo (nacional e local) e dos funcionários que o servem (…). O presidente acha que a responsabilização acabará por levar à “paralisia”. Este argumento equipara no fundo a eficiência a uma autoridade sem vigilância e sem limites. É uma simples variante da velha execração às “forças de bloqueio”. Parece que a acumulação de atropelos e de erros da desconjuntada democracia indígena não ensinou nada ao dr. Cavaco. Não era, de resto, de esperar que ensinasse.»

3 comentários :

Anónimo disse...

Oh Miguel Abrantes,

Não há dúvida que tem andado num virote...

Mas não entre em paranóia porque o prof Marcelo já deve estar de regresso e vai poder desancá-lo novamente e deixar em paz todos os outros...

Tal qual como um puto quando se lhe esconde um brinquedo !

Anónimo disse...

Eu bem adivinhei...

Assim que o prof Marcelo deu as caras, o Sr. Dr. Miguel mudou logo a agulha...

Agora só falta dedicar-se novamente ao "Público" e a normalidade ficará reposta na blogosfera...

Anónimo disse...

Já agora, se me permite uma sugestão de leitura (mais proveitosa do que o Correio da Manhã),recomendaria o texto do veto presidencial à proposta de lei de responsabilidade civil do Estado, in VEXATA QUAESTIO.