Terá Correia de Campos motivos para se revelar tão agradado com o relatório da auditoria do Tribunal de Contas às listas de espera nas cirurgias? Bem, a verdade é que:
• Por um lado, os resultados da acção comprovam que a situação das listas de espera melhorou; e,
• Por outro lado, vê-se que o trabalho tem qualidade técnica, a que não terá sido estranho o empenhamento da consultora externa, uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, na qual pontifica o Prof. Pita Barros.
Acresce que é positivo que o Tribunal de Contas, em lugar de consumir os seus recursos em acções que se limitam a fazer cócegas aos serviços auditados (a maioria das auditorias à legalidade e regularidade financeira), procure avaliar a gestão e o desempenho das organizações.
Ora a questão está em saber “o que” avaliar e “como” fazê-lo. É correcto que uma auditoria procure avaliar as listas de espera nas cirurgias? É, se souber relacionar os resultados a que chega com o meio envolvente.
A situação em países cujos sistemas de saúde estão mais desenvolvidos mostra esta coisa singular: a uma maior (e melhor) oferta de serviços de saúde corresponde uma maior procura desses serviços.
Compreende-se: se os serviços tendem a dar resposta às necessidades, situações menos graves são encaminhadas para os blocos operatórios. Por exemplo, trabalhos sobre os sistemas de saúde no Reino Unido, na Suiça ou na Áustria revelam que, após investimentos vultuosos, as listas de espera não diminuíram — antes aumentaram. No sector da saúde, a elasticidade da procura é elevada.
Por isso, a avaliação das listas de espera exige uma malha de análise mais fina, designadamente para se saber se as intervenções cirúrgicas mais urgentes estão a ser realizadas nos prazos estipulados. Mais importante do que conhecer o tempo genérico de espera das cirurgias (que ronda os cinco meses, salvo erro), é preciso saber como respondem os hospitais aos níveis de prioridade clínica estabelecidos.
A auditoria do Tribunal de Contas não deixa de se referir de fugida a este aspecto, que é a questão central. Fica a saber-se, na pág. 46 do relatório, que:
• As intervenções cirúrgicas que devem ser realizadas em três dias (24.231 cirurgias), correspondendo a “situações de crise aguda”, foram efectuadas nesse prazo em 78 por cento dos casos;
• As que se devem realizar em 15 dias (40.759 cirurgias) foram efectuadas nesse prazo em 70 por cento dos casos;
• As que se devem realizar em dois meses (66.422 cirurgias) foram efectuadas nesse prazo em 72 por cento dos casos;
• As que se devem realizar no prazo máximo de um ano (372.443 cirurgias) foram efectuadas nesse prazo em 87 por cento dos casos.
As conclusões do Tribunal de Contas descentram-se da questão nuclear. Fala-se que não foram atingidos “em pleno” os objectivos quanto às listas de espera. O ministro da Saúde, ao “entrar no jogo” do Tribunal, arrisca-se a ter de justificar no futuro por que as listas de espera, apesar dos investimentos no sector, não diminuem, antes aumentam. Outros países já passaram por essas situações. Mas também é verdade que as instituições superiores de controlo do Reino Unido, da Áustria, da Suiça, etc. não estão vocacionadas para o alarmismo e o sensacionalismo: vão ao cerne das questões.
1 comentário :
Bem visto.
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