A maioria dos leitores do CC conhece Carlos Moreno. O juiz conselheiro do Tribunal de Contas (TC) conseguiu ser, de novo, notícia. Não havendo a tradição de os juízes comentarem os processos de que são relatores, o terrível Moreno é a excepção que confirma a regra, perante o silêncio de Oliveira Martins, que não se consome com estas questões comezinhas.
Moreno falou ao Expresso. Está revoltado com Azeredo Lopes, que se recusou a responder a parte do questionário de uma auditoria do TC, alegando que “colocaria em causa a independência da ERC”, pelo que decidiu esclarecer apenas “matéria de contas e boa gestão financeira”.
Tratou-se de uma afronta para o terrível Moreno, que se aproveita do Expresso para se dirigir ao povo em geral: “O que mais interessa ao contribuinte é saber se as contas estão em ordem ou se o dinheiro é bem gasto?” Se o povo em geral ainda não estivesse convencido de que o terrível Moreno personifica a linha justa, o juiz dá a estocada final: “Lembra-me, em tempos [sic], o dr. Oliveira Salazar, de dedo em riste dizendo: «Vejam as contas e mais nada!»”
O Dr. Moreno está baralhado — mas a culpa não é toda sua. O TC quer modernizar-se e toca de ir beber aos países de maior tradição na matéria: Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália, etc.. Ao aprender o bê-á-bá das value for money audits numa brochura (traduzida) do National Audit Office, o juiz julga que está em condições de aplicar localmente a receita. A coisa é, apesar do seu voluntarismo, levemente mais complexa.
Com efeito, há aqui uma nuance que lhe escapa: enquanto nos países que promovem value for money audits (o “mundo civilizado”, na pitoresca terminologia do juiz Moreno) as entidades superiores de controlo estão na dependência dos parlamentos, e trabalham para os parlamentos, não tendo o estatuto de tribunais, o TC português é, como a designação indica, um órgão de soberania.
Em consequência, o TC pode ir mais longe (ao julgar as infracções financeiras), por exemplo, do que a entidade congénere do Reino Unido, mas, por outro lado, não pode substituir-se à Assembleia da República na avaliação do desempenho da ERC.
Isto foi o que, suponho, Azeredo Lopes quis explicar ao terrível Moreno com um mero exemplo prático. O juiz não percebeu o sentido da resposta da ERC e, julgando-se desautorizado, não encontrou melhor saída do que ameaçar, através do Expresso, Azeredo Lopes: “entendi, a título de exemplo, mandar avaliar em pormenor todo o dossiê e, no próximo ano, quando apresentar em sessão plenária o projecto de relatório, incluirá um capítulo exclusivamente destinado a analisar o comportamento do senhor presidente da ERC”.
Maior insensatez não era possível — imagine-se a reacção dos restantes juízes conselheiros quando tomaram conhecimento pelo Expresso de um hipotético relatório do “próximo ano”, cuja estrutura o povo em geral já conhece, mesmo antes de o plenário decidir aprová-lo…
sexta-feira, dezembro 07, 2007
“Da próxima vez vou-me a ele, ai vou, ai vou…”
Subscrever:
Enviar feedback
(
Atom
)
2 comentários :
Magnífica análise. Deviam afixá-la no hall do T. de Contas.
Muito interessante os temas propostos, este é um primor, é para guardar - o companheiro, ainda não fez referencia aos submarinos.
Ze Bone
Enviar um comentário