quarta-feira, fevereiro 06, 2008

"Autos-de-fé mediáticos"

"Vim da África do Sul, aterrando em Lisboa alta madrugada, num voo de imigrantes com escalano Zaire. Comecei por ficar apreensivo com o facto de Kinshasa ter mais luz à noite do que Lisboa vista do ar, naqueles tempos em que a segunda circular era iluminada com bruxuleantes candeeiros acesos alternadamente para poupar energia. Estávamos em pleno período da duríssima austeridade imposta pelo Fundo Monetário Internacional que nos controlava tanto como a qualquer país estouvado do terceiro mundo e, na época pré-comunitária, provavelmente era isso que Portugal era. Depois aprendi que um tanque de gasolina era uma parte substancial do meu ordenado. Ser jornalista naqueles tempos, para muitos camaradas, era trabalhar de manhã na rádio, a meio do dia na Anop, à tarde na televisão e à noite num dos jornais estatizados onde um cartão de partido garantisse uma qualquer sinecura para colmatar a inflação de dois dígitos. Conheci muita gente com este regime de trabalho. Como eu não tinha na altura encargos familiares e trazia as economias da emigração consegui aguentar-me bem com um só emprego e uns biscates que ia fazendo com crónicas de madrugada para a Rádio da África do Sul e para a Voz da América. Conto tudo isto para recordar que nos anos oitenta este era um país muito diferente. O que era legítimo e aceitável fazer-se na altura seria impensável hoje. Por isto acho imoral estar-se a fazer juízos em 2008 e a procurar consequências políticas de comportamentos absolutamente generalizados há um quarto de século. Tanto mais que, pelo que li até agora, esses comportamentos não configuraram qualquer espécie de ilícito criminal. Eram tempos diferentes com leis diferentes e práticas diferentes. Na altura os engenheiros podiam dar o seu aval técnico a aspectos estéticos que hoje são (e bem) da competência da arquitectura. Parece-me importante destacar aqui que, bons ou maus, se os projectos estavam assinados pelo Engenheiro Sócrates, eram responsabilidade final dele, logo, eram dele. Qualquer outra conclusão ou é sofisma, ou demagogia, ou outras coisas."

(Mário Crespo, no Jornal de Notícias de 2ª feira)

7 comentários :

Anónimo disse...

Surpreende pela positiva o Mario Crespo e o que escreve, é de inteira justiça - ma já não se percebe que um desconhecido prof de Coimbra, passando pelo governo do professor de economia que o mundo dos #xicos espertos$ consagrou - tenha aquirido, apos a saída do governo, uma vivenda no estoril ,ao que dizem, avaliada em 120 mil contos - mas isto é ao que dizem ou então fui eu que sonhei - tenho alturas que a imaginação é fertil

Ze Boné

Anónimo disse...

Vocês não desistem...

Todo e qualquer gatafunho que possa ser útil na defesa do indefensável, é imediatamente citado...

Em vão...

Falhas de caracter são intemporais e não prescrevem... excepto na escala de valores "xuxialista" !

Anónimo disse...

Tão amigo que o Marinho está do Sócrates!...

james disse...

Ainda que discorde em absoluto com os pressupostos em que assenta o artigo de Mário Crespo – a legitimação dos biscates, como forma de vida, e a total confusão que estabelece entre projectos de engenharia e projectos de arquitectura – como se, nas Beiras, a crítica do gosto tivesse qualquer similitude com a Quinta da Marinha, p. e., os mamarrachos de Telheiras ou com deleites colocados por arquitectos “tallónicos” nas “mansões” conceptualizadas a tinta da china para as Bibás que por aí pululam, não se deixa, mesmo assim, de admirar o seu desassombro.
É que, não nutrindo MC qualquer espécie de simpatia por José Sócrates (por que, se nutre, finge muito bem) – é só segui-lo no Jornal das 9 da SIC-N a zurzir no Dr. Silveira Pereira e vê-lo semanas inteiras, obsessivamente, a tratar de temas/tablóide conexos com a governança – para aquilatar da veracidade dessa antipatia… basta, contudo, só a forma como intitulou o seu artigo, para o aplaudir – MC atingiu o cerne da coisa…

Anónimo disse...

Está bastante boa esta defesa da Neidi.

Continua, que a tutela gosta.

Anónimo disse...

'Tadinho do "james" parece um náufrago... agarrado a um pedaço de madeira à deriva...

É a síndrome da orfandade...

Para lhe levantar o ego receito-lhe a leitura do semanáro "O Crime" de 2008-02-07...

E, sendo mentira, processem-no, à semelhança do procedimento com o blog "O Portugal Profundo"...

Anónimo disse...

Mário Crespo só se esquece de um "pequenino" pormenor: Falar no eventual conflito com o subsídio de exclusividade na AR. A não ser que, para ele, isso já esteja esclarecido.

Mas, se já estiver esclarecido, então faltou a MC elogiar a atitude generosa de quem trabalhou gratuitamente para, salvo erro, 23 amigos!

Não há dúvida de que se trata de uma omissão deselegante da parte de M. Crespo.