É curioso e surpreendente situar-me eu na posição de criticar movimentos populares de contestação ao poder político, sem que me sinta obrigado a defender este, ou qualquer outro, Governo. Mas nem o facto de ter dado um contributo técnico, profissional, para o início deste processo me inibe de exprimir agora uma opinião.
As reformas no sector da educação e as relações laborais entre professores e ministério de tutela transformaram-se em conflito social e assumem já uma dimensão política. Não é uma novidade. O sindicalismo é uma entidade de representação de interesses colectivos (dos assalariados) mas que, institucionalizando-se, também cria os seus interesses "próprios": os dos dirigentes, dos militantes, dos funcionários do "aparelho", da salvaguarda da sua própria função e respectiva imagem pública.
No caso português, os vectores mais dinâmicos e dominantes do sindicalismo são conduzidos por gente com uma iluminação ideológica e, frequentemente, com alinhamentos partidários: quando a conjuntura o permite, jogam o peso da acção social na cena política, geralmente contra o Governo em funções, no que tendem a ser acompanhados pelas diversas forças da oposição.
Ninguém sabe como esta crise irá terminar, mas o diagnóstico compreensivo da situação não é muito difícil de fazer.
A novidade da conjuntura presente é a de que o malestar latente no corpo professoral transbordou agora para a rua, sob a forma de mobilização contestadora (mais do que reivindicadora), amplamente multiplicada pelos ecos mediáticos, onde se exprimem emoções e frustrações diversas.
Não nos iludamos: as convocatórias e manifestações ad hoc, possibilitadas pelos gadgets de comunicação interpessoal, não são mais do que a forma pós-moderna do tam-tam africano ou do velho rumor urbano ocidental.
Mas as "minorias activas" tentam controlar e canalizar este fluxo para objectivos que só elas saberão precisamente quais são. Quase todas as revoluções se fizeram assim. Contudo, não é porque um relatório de "sábios" alerta para os perigos de uma "crise social" ou um general reformado chama a atenção para a deslegitimação progressiva do nosso regime democrático que o país vacila nas suas convicções profundas de querer continuar a "ser", num clima de liberdade e com a prosperidade possível.
Os professores terão certamente algumas razões de queixa: a inadequação das instalações para a sua permanência e trabalho nas escolas exige fortes e urgentes investimentos; a avalancha das normas administrativas que sobre eles desaba carece provavelmente de algum simplex; etc.
Mas qualquer observador atento que conheça um pouco o ambiente nas nossas escolas públicas teria percebido a existência, entre os professores, de uma implícita hierarquia de reconhecimento profissional que cindia o corpo docente em três grupos, grosso modo: um importante sector de indivíduos competentes, dedicadíssimos e experientes, merecedores de todos os encómios (até pelas crescentes dificuldades da missão educativa); uma pequena minoria de equivocados na profissão, incapazes de melhoria e perturbadores do clima relacional na organização escolar; e, como sempre, uma maioria de pessoas de boa vontade e com todas as capacidades para progredir e incrementar as suas qualidades profissionais, com benefícios directos para a aprendizagem das crianças e os resultados (qualitativos e quantitativos) do ensino. A organização da carreira docente em categorias profissionais e uma real avaliação do desempenho (que não tinha qualquer efectividade no estatuto anterior) procuraram traduzir organicamente aquelas clivagens, "partindo" o falso princípio da igualdade nas recompensas (quando os contributos são tão diferenciados) e tentando construir um sistema meritocrático e de responsabilidade (individual e grupal, no seio na comunidade escolar) no exercício da função docente.
É provável que o processo administrativo (concurso) que levou já à nomeação de uns milhares de professores-titulares tenha corrido com deficiências, produzindo casos de injustiça individual, no sentir dos próprios e dos seus pares, e distorcendo a "hierarquia reconhecida". Mas é precisamente àquele "igualitarismo" e "irresponsabilidade" que os líderes sindicais (e outros) têm vindo a apelar, na batalha que querem travar contra estas reformas.
A sociedade (e o Estado) atribui aos professores um "poder social" considerável: não apenas a responsabilidade de ensinar, mas também a faculdade de "julgar e avaliar" (os saberes adquiridos e, implicitamente, as pessoas que os exibem) e de se mostrarem eles próprios como "modelos educativos" para as crianças e jovens em formação.
Aos professores - meus colegas de missão -, eu desejaria que não se enganassem de alvo. O direito à opinião, à indignação e ao protesto são hoje irrecusáveis, mas, numa democracia, as grandes decisões de orientação política tomamse através do voto de todos os cidadãos.
E os cidadãos-professores têm de ter (e merecer) a autoridade e o respeito necessários para se apresentarem diariamente perante os seus alunos na sala de aula. A rua não tem sempre razão.
Miguel Adorei a forma que usaste para nos dar acesso ao artigo sem ser pelo link do pasquim. Assim pelo menos não contribuímos para as visitas diárias ao esgoto do Belmiro Manuel Fernandes
O PS vai fazer um comicio pq estamos em democracia, qual o espanto? Eu bem sei q há praí uns velhos do restelo a gritar q há censura e há um asfixiamento da democracia e outras inanidades do género, parece q afinal não é bem assim! É verdade eu tb sou amigo da ministra Lurdes. Sra Ministra por favor não desista!
É curioso como há um blog que`postou sobre o mesmo assunto, tirando a mesma conclusão no fim, mas pegando num ponto de vista completamente diferente: http://novomundo3.wordpress.com/2008/03/04/a-rua
Quem anda a fazer fretes ao governo na blogosfera?
No fundo dizem que a contestação não tem legitimidade para exigir nada, excepto mandarem umas bocas!Essa é que era boa!...
8 comentários :
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A rua não tem sempre razão
É curioso e surpreendente situar-me eu na posição de criticar movimentos populares de contestação ao poder político, sem que me sinta obrigado a defender este, ou qualquer outro, Governo. Mas nem o facto de ter dado um contributo técnico, profissional, para o início deste processo me inibe de exprimir agora uma opinião.
As reformas no sector da educação e as relações laborais entre professores e ministério de tutela transformaram-se em conflito social e assumem já uma dimensão política. Não é uma novidade. O sindicalismo é uma entidade de representação de interesses colectivos (dos assalariados) mas que, institucionalizando-se, também cria os seus interesses "próprios": os dos dirigentes, dos militantes, dos funcionários do "aparelho", da salvaguarda da sua própria função e respectiva imagem pública.
No caso português, os vectores mais dinâmicos e dominantes do sindicalismo são conduzidos por gente com uma iluminação ideológica e, frequentemente, com alinhamentos partidários: quando a conjuntura o permite, jogam o peso da acção social na cena política, geralmente contra o Governo em funções, no que tendem a ser acompanhados pelas diversas forças da oposição.
Ninguém sabe como esta crise irá terminar, mas o diagnóstico compreensivo da situação não é muito difícil de fazer.
A novidade da conjuntura presente é a de que o malestar latente no corpo professoral transbordou agora para a rua, sob a forma de mobilização contestadora (mais do que reivindicadora), amplamente multiplicada pelos ecos mediáticos, onde se exprimem emoções e frustrações diversas.
Não nos iludamos: as convocatórias e manifestações ad hoc, possibilitadas pelos gadgets de comunicação interpessoal, não são mais do que a forma pós-moderna do tam-tam africano ou do velho rumor urbano ocidental.
Mas as "minorias activas" tentam controlar e canalizar este fluxo para objectivos que só elas saberão precisamente quais são. Quase todas as revoluções se fizeram assim. Contudo, não é porque um relatório de "sábios" alerta para os perigos de uma "crise social" ou um general reformado chama a atenção para a deslegitimação progressiva do nosso regime democrático que o país vacila nas suas convicções profundas de querer continuar a "ser", num clima de liberdade e com a prosperidade possível.
Os professores terão certamente algumas razões de queixa: a inadequação das instalações para a sua permanência e trabalho nas escolas exige fortes e urgentes investimentos; a avalancha das normas administrativas que sobre eles desaba carece provavelmente de algum simplex; etc.
Mas qualquer observador atento que conheça um pouco o ambiente nas nossas escolas públicas teria percebido a existência, entre os professores, de uma implícita hierarquia de reconhecimento profissional que cindia o corpo docente em três grupos, grosso modo: um importante sector de indivíduos competentes, dedicadíssimos e experientes, merecedores de todos os encómios (até pelas crescentes dificuldades da missão educativa); uma pequena minoria de equivocados na profissão, incapazes de melhoria e perturbadores do clima relacional na organização escolar; e, como sempre, uma maioria de pessoas de boa vontade e com todas as capacidades para progredir e incrementar as suas qualidades profissionais, com benefícios directos para a aprendizagem das crianças e os resultados (qualitativos e quantitativos) do ensino. A organização da carreira docente em categorias profissionais e uma real avaliação do desempenho (que não tinha qualquer efectividade no estatuto anterior) procuraram traduzir organicamente aquelas clivagens, "partindo" o falso princípio da igualdade nas recompensas (quando os contributos são tão diferenciados) e tentando construir um sistema meritocrático e de responsabilidade (individual e grupal, no seio na comunidade escolar) no exercício da função docente.
É provável que o processo administrativo (concurso) que levou já à nomeação de uns milhares de professores-titulares tenha corrido com deficiências, produzindo casos de injustiça individual, no sentir dos próprios e dos seus pares, e distorcendo a "hierarquia reconhecida". Mas é precisamente àquele "igualitarismo" e "irresponsabilidade" que os líderes sindicais (e outros) têm vindo a apelar, na batalha que querem travar contra estas reformas.
A sociedade (e o Estado) atribui aos professores um "poder social" considerável: não apenas a responsabilidade de ensinar, mas também a faculdade de "julgar e avaliar" (os saberes adquiridos e, implicitamente, as pessoas que os exibem) e de se mostrarem eles próprios como "modelos educativos" para as crianças e jovens em formação.
Aos professores - meus colegas de missão -, eu desejaria que não se enganassem de alvo. O direito à opinião, à indignação e ao protesto são hoje irrecusáveis, mas, numa democracia, as grandes decisões de orientação política tomamse através do voto de todos os cidadãos.
E os cidadãos-professores têm de ter (e merecer) a autoridade e o respeito necessários para se apresentarem diariamente perante os seus alunos na sala de aula. A rua não tem sempre razão.
Sociólogo
João Freire
Eu até concordo com o princípio. Então porque é que o PS/governo vai realizar um comício?
Deve ser amigo da ministra Lurdes
Miguel
Adorei a forma que usaste para nos dar acesso ao artigo sem ser pelo link do pasquim. Assim pelo menos não contribuímos para as visitas diárias ao esgoto do Belmiro Manuel Fernandes
O PS vai fazer um comicio pq estamos em democracia, qual o espanto?
Eu bem sei q há praí uns velhos do restelo a gritar q há censura e há um asfixiamento da democracia e outras inanidades do género, parece q afinal não é bem assim!
É verdade eu tb sou amigo da ministra Lurdes.
Sra Ministra por favor não desista!
É curioso como há um blog que`postou sobre o mesmo assunto, tirando a mesma conclusão no fim, mas pegando num ponto de vista completamente diferente:
http://novomundo3.wordpress.com/2008/03/04/a-rua
Quem anda a fazer fretes ao governo na blogosfera?
No fundo dizem que a contestação não tem legitimidade para exigir nada, excepto mandarem umas bocas!Essa é que era boa!...
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