sexta-feira, março 07, 2008

Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma

Miguel Cadilhe justifica as suas declarações desta semana no Porto explicando no Público de hoje que não usou a expressão “recessão” no sentido usual do termo, mas num mais particular de que ele e alguns amigos têm conhecimento e que se baseia na sua especial interpretação do Pacto de Estabilidade e Crescimento subscrito por todos os países que integram a Zona Euro.

Seja. Mas, como figura pública experiente que é, Cadilhe não poderia ignorar que tanto o grande público como os jornalistas iriam interpretar a sua revelação de uma depressão prolongada no sentido mais habitual do termo, isto é, o de dois ou mais trimestres consecutivos de contracção do produto. Há vinte anos que Cadilhe é, aliás, um mestre consumado na arte de tirar partido da sua reputação técnica para manipular os órgãos de comunicação e lançar o alarme na opinião pública.

Passando, porém, ao que mais interessa, que propõe então o ex-governante e ex-candidato da lista do PSD à Presidência do Millennium BCP? Nada mais nada menos do que a renegociação com a Comissão Europeia das condições de equilíbrio orçamental a que Portugal está obrigado pelo PEC com o argumento da catástrofe económica que o país vive.

Depreende-se daqui que, segundo Cadilhe, o crescimento do défice orçamental permitiria estimular o crescimento do défice e relançar a economia. Estará ele certo?

Infelizmente, não está. O nosso mais sério problema económico não é o défice das contas públicas, mas o défice externo das transacções correntes, que não só é elevadíssimo como pouco se reduziu nos últimos anos. Para agravar as coisas, o investimento directo estrangeiro em Portugal caiu drasticamente na presente década, e não se antevê uma recuperação suficientemente importante no curto prazo. Ora, se o défice externo não é compensado pelo investimento directo, cresce inevitavelmente o endividamento externo do país.

A principal consequência positiva da redução do défice público para níveis abaixo dos 3% consistiu no estancamento da componente estatal do endividamento externo em termos reais. Resta que os particulares e as empresas têm continuado a endividar-se, sendo o sintoma mais evidente dessa tendência o excesso das importações sobre as exportações de bens e serviços.

Ora, se, como quer Cadilhe, invertessemos o esforço de contenção orçamental, cresceria ainda mais o desequilíbrio económico externo, visto que, quer se optasse por aumentar a despesa ou por diminuir a receita, o resultado seria sempre o disparo das importações para níveis ainda mais elevados do que aqueles em que já hoje se situam e que, recorde-se, o país não tem meios para pagar.

Terá Cadilhe alguma receita mágica para conseguir um afluxo substancial e repentino do investimento estrangeiro? Já nos foram propostas várias ideias para o conseguir, todas elas girando, no curto prazo, à roda da redução dos salários reais, da diminuição das garantias laborais e da diminuição dos impostos sobre os capitais. Curiosamente, porém, os investidores estrangeiros estão fartos de repetir que não acham esses factores muito importantes.

Qual é, então, a grande ideia de Cadilhe? Ao que parece, nenhuma.

As dificuldades que atravessámos têm a sua origem profunda nas debilidades da estrutura empresarial portuguesa. Tendo a sua reconversão tardado em demasia, em parte por responsabilidade dos empresários, em parte pela absurda protecção estatal a certas actividades económicas caducas, descobrimos no início do século XXI que estávamos a competir em indústrias desqualificadas e com países de níveis salariais incomparavelmente inferiores aos nossos.

A única saída para esta crise estrutural consiste num doloroso e prolongado processo de reorganização do aparelho produtivo, com o encerramento das unidades condenadas pela competição e o desenvolvimento de outras mais bem adaptadas ao mundo contemporâneo. Múltiplos indicadores sugerem que isso está a ser conseguido, embora mais devagar do que todos desejaríamos.

A principal tarefa do Estado neste processo consiste em facilitar a transformação, criando as condições ambientais mais favoráveis à revitalização da economia nos domínios da desburocratização das autorizações de investimento, da regulamentação geral e sectorial, da legislação laboral e da qualificação dos trabalhadores.

2 comentários :

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
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