segunda-feira, julho 14, 2008

Um misterioso negócio sem risco

[Post tendo por base o artigo de hoje do CM]

1. Um ano e oito meses após ter tomado posse, o Governo de Durão Barroso não conseguia sequer beliscar o “monstro”: Bruxelas iria, em 2003, ser confrontada com um défice de 4,1 por cento¹ (que viria a subir no ano seguinte para 6,8 por cento). — Que fazer, Manuela?, terá perguntado Durão à ministra de Estado e das Finanças, n.º 2 do Governo.

O PSD mobilizou-se para aparecer maquilhado em Bruxelas: “Vítor Martins, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus e actual conselheiro do primeiro-ministro [Durão Barroso], (…) também «senior consultant» do Citigroup” [Expresso, 06.03.2004], tratou de montar uma operação aliciante (a qual fez, através de pura magia, o défice baixar para 2,8 por cento em 2003):
    • O Estado cedia 11,44 mil milhões de euros de dívidas fiscais e à segurança social ao Citigroup;
    • Em contrapartida, o Estado recebia de imediato 1,765 mil milhões de euros do Citigroup para tapar o buraco do défice;
    • Sob batuta do Citigroup, assegurava-se que a cobrança das dívidas fiscais e à segurança social cedidas avançaria a todo o vapor, pelo que o Estado português ainda viria receber uma pipa de massa.
2. A Inspecção-Geral de Finanças fez, então, saber a Ferreira Leite que uma operação desta envergadura não poderia ser acordada por ajuste directo. Manuela Ferreira Leite não se mostrou sensível à lei, de acordo com o Público de 20.03.2004:
    «"Todo o processo foi directamente conduzido pela senhora ministra de Estado e das Finanças, sem delegação de competências", afirmou um porta-voz oficial do ministério. Esta foi a única resposta da ministra a várias questões colocadas pelo Público, relacionadas com a operação que permitiu ao Governo cumprir as metas orçamentais em 2003.

    As questões seguiram de perto as dúvidas levantadas em requerimento pelo PCP sobre o conhecimento por parte do Governo da intervenção de membros do PSD nesta operação, além de uma referência feita pelo jornal "Expresso", citando a oposição, em que se refere a intervenção do ex-secretário-geral do PSD e actual presidente do Banco Português de Negócios Manuel Dias Loureiro.

    O Ministério das Finanças não respondeu particularmente a esta questão, mas, em declarações ao Público, Dias Loureiro negou ter intervindo e afirmou ter tomado conhecimento da operação pela comunicação social. "Tomei conhecimento da operação com o Citigroup pela imprensa e, depois, no Parlamento", afirmou. "Nunca tive nenhuma intervenção nem o meu banco".

    Questionado sobre se o banco tinha apresentado alguma proposta, respondeu: "Que eu saiba, não". "Nem sei como é a operação: ouvi falar dela apenas no Parlamento". O Público questionou ainda sobre o conhecimento da ministra sobre o grau de intervenção do militante do PSD, ex-ministro das Finanças e membro da administração da outra instituição financeira preterida em favor do Citigroup, Eduardo Catroga.

    E ainda do presidente da mesa da Assembleia Geral do banco Finantia, João Vieira de Almeida, cujo escritório de advogados foi representante do Citigroup nesta operação. A importância das questões prende-se com o facto de o banco Finantia ter sido a única entidade a que o Governo recorreu formalmente, além do Citigroup, mas a sua proposta acabou preterida.

    A ministra foi aconselhada pela Inspecção-Geral de Finanças a recorrer a mais do que uma entidade, quando, nessa data, Manuela Ferreira Leite já contactara o Citigroup. A oposição questionou o facto de o Governo não ter consultado instituições com a dimensão internacional do Citigroup e a ministra respondeu, na altura, que "praticamente não havia instituições financeira com essa experiência".

    "Eu preenchi os requisitos que estavam expostos para fazer a consulta", rematou. Um responsável de uma instituição financeira que apresentou uma proposta de titularização, mas que não foi formalmente convidado pelo Estado, é de opinião que o Governo recorreu à Finantia para justificar a escolha anteriormente feita do Citigroup.»
3. Aconteceu, então, a rábula do contrato entre o Estado português e o Citigroup. Tendo sido escrito em inglês, Manuela Ferreira Leite adiava a sua divulgação ao Parlamento sob o pretexto de que estava a ser traduzido.

No dia 31 de Janeiro, Manuela Ferreira Leite “leu no Expresso as palavras da economista Teodora Cardoso: «Agora não divulgam o contrato enquanto não for traduzido. Mas eu sei ler inglês. A tradução deve ser para o maquilhar». A ministra indignou-se com a acusação e, «nesse mesmo dia», parou a tradução.” [Expresso, 06.03.2004]

Convém recordar que o contrato continha, em anexo, um memorando confidencial.

4. E parece que é nesse memorando confidencial que o Estado se compromete, ainda segundo o Expresso [06.03.2004], a pagar juros pelo adiantamento realizado pelo Citigroup em 2003:
    A Oposição diz que a ministra terá de pagar ao Citigroup um juro indexado à taxa Euribor pelo favor de ter recebido ainda em 2003, três meses antes da titularização, os € 1765 milhões. Diz também que as condições deste pagamento estão num anexo do contrato omitido ao Parlamento. A ministra não convenceu: «Não sei se tenho de pagar juros ou não. Não paguei nada. A operação foi feita para cumprir uma cláusula que estava acordada: receber em 2003»; ou, «Se me apresentarem uma factura, vou ter de analisar qual o fundamento legal para quererem que a pague». Segundo Lino de Carvalho, do PCP, o pagamento poderá ser encoberto através da discreta inflação da comissão devida ao Citigroup já que, se a ministra disser a palavra juro, tem o Eurostat à perna.”
5. Manuela Ferreira Leite ficou exultante com o expediente encontrado para camuflar o défice. Veja-se o que disse ao Expresso (06.03.2004): “«Se eu tiver um colapso na máquina fiscal e cobrar zero, não me acontece nada. O risco não é meu», diz a ministra das Finanças.” Para quem tivesse dúvidas de tanta fartura, Ferreira Leite acrescentava: esperava que “o negócio «seja ainda bastante mais lucrativo».”

É de sublinhar que a credível Manuela Ferreira Leite afirma isto já depois de terem sido publicados os diplomas a autorizar a operação — e definidos os termos do acordo com o Citigroup — através dos quais se observa que o que a actual líder do PSD dizia não corresponde à verdade.

O risco, que agora tanto a preocupa, ficou todo a cargo do Estado: as dívidas cedidas ao Citigroup que se viessem a revelar incobráveis teriam de ser substituídas por outras cobráveis. É por isto que o Estado, para além das dívidas cedidas no valor de 11,44 mil milhões de euros, continua a transferir anualmente créditos para o Citigroup. Um parte muito significativa das tansferências que o gráfico apresenta reportam-se a dívidas posteriores a 2003:




Por outras palavras, o negócio com o Citigroup é que é o caso típico de deixar às gerações vindouros o encargo de pagar os desvarios políticos da geração actual — no caso, do Governo de Barroso/Ferreira Leite.

_____________
¹ Para além do negócio com o Citigroup, houve outras receitas extraordinárias, sem as quais o défice teria sido de 5,3 por cento.

Artigos que encontrei na net:

12 comentários :

praianorte disse...

Esta vigarisse merece que o Procurador chame a si este processo que está a arruinar o estado portugues.

Porque espera o PGR?

Anónimo disse...

Este negócio ainda é mais jeitoso que o dos submarinos e o dos C-130.

E estes, se calhar, são casos de polícia, embora o espertalhufo que os fez tenha tido direito, pelo menos, a condecoração americana...

O negócio do Citigroup atesta bem a competência, credibilidade e engenho da autora. E ninguém é investigado? Só o Vale e Azevedo e o Pinto da Costa é que têm os nomes na Justiça?

Anónimo disse...

O PSD borrou-se no meio da rua e um rio de merda escorre pelas pernas. Forma-se então um clarão à volta, o cheiro é insuportável, todos olham enojados para a merda que transborda pelas calças abaixo.

Que figura triste.

Tiago Moreira Ramalho disse...

«Por outras palavras, o negócio com o Citigroup é que é o caso típico de deixar às gerações vindouros o encargo de pagar os desvarios políticos da geração actual — no caso, do Governo de Barroso/Ferreira Leite.»

Então e a febre do betão que deixará uma marca socrática no país? Não é deixar às gerações vindouros o encargo de pagar os desvarios políticos da geração actual?

Eu não sou advogado do diabo, mas há uma coisa a considerar. Em 2003nós éramos o único país da UE com défice orçamental acima do permitido pelo PEC, como tal, "iam-nos cair em cima" e a gestão orçamental teve de ser feita sem grandes apoios comunitários. Agora a situação é diferente porque há vários países com défice, por isso é-nos permitida uma gestão do mesmo um bocadinho mais "soft". E isto é um processo em que a resposta só se encontra na regressão, porque se não tivesse sido deixado um pântano ao PSD pelo nosso amado Guterres que nos meteu a comprar popos e casinhas (fez exactamente o que esta versão 2.0 está a fazer, vivam as obras públicas. Em cada legislatura socialista, o Tejo vê uma nova ponte!!) a situação tinha sido evitada. Sim, porque eu não vi o Durão a fazer obras públicas propriamente...

Tudo isto para dizer que, se calhar, o que MFL fez não foi assim tão grave. MFL não fez propriamente um negócio com um amigo para lhe encher os bolsos, fez um negócio com uma instituição financeira para que não fossemos castigados por Bruxelas.

Anónimo disse...

A propósito de negócios: razão teve o MA quando se pôs de fora daquela treta da UEFA mal lhe cheirou que se preparava para acumular derrota atrás de derrota até à vitória final. Olhe se não tivesse abandonado o barco do LFV e quejandos a tempo. Isso é que era ser gozado com a tal história da "esperança é a última que morre"... Também há aquela dos ratos e do navio, mas, claro, que isso não é para o Miguel...

Nuno disse...

É a esta a "credibilidade" deste senhora? Vou ali e já venho!
Concluo q para o Tiago M Ramalho este mau negócio justifica-se com os projectos das futuras obras públicas? MFL fez um mau negócio para as gerações vindouras, este é um facto que não é minimizado misturando-o com os actuais projectos de obras públicas em discussão!
Agradeçamos antes ao Sr Cavaco que como PM não fez as reformas que se impunham e ainda teve tempo para ser o pai do monstro!

Anónimo disse...

O recurso consciente a argumentos falaciosos por parte do Sr. Tiago Moreira Ramalho é admirável.

1. As travessias do Tejo:

Se foi escolhido o trajecto que menos tráfego subtraia à Ponte 25 de Abril e, ainda, foi escolhida a proposta mais dispendiosa, o grande beneficiário foi Ferreira do Amaral, à data ministro das obras públicas e proprietário de terrenos no Montijo. Não tente escamotear que o negócio foi firmado pelo último governo de Cavaco Silva, e que o actual governo apenas decidiu construir uma ponte onde ela devia ter sido construida na década passada...

2. As febres do betão:

Depois da odisseia de construções que caracterizou os governos de Cavaco Silva - a par com a destruição da frota pesqueira, o abandono da agricultura, a criminosa atribuição de subsídios e de chorudas reformas antecipadas, sem qualquer fiscalização, a compadres de partido e canalha saudosa do Estado Novo, os escandâlos com o SIS, os negócios de manutenção de aeronaves indonésias em plena guerra diplomática com aquele país e o abandono sistemático e deliberado a que foi votado o distrito de Beja de 1991 a 1995 por ter votado CDU, abandono esse que, a partir de 1993 gerou fome - o senhor ainda tem o desplante de se referir jocosamente às obras do governo socialista?
Acaso esqueceu-se que quando Cavaco Silva chegou ao poder em 1985, beneficiou, a partir de 1 de Janeiro de 1986, dos fundos da então CEE e de petróleo a 20 dólares o barril? Com condições destas e lembrando a obra produzida, só pode ser classificado como um péssimo governante, que, lamentavelmente, temos que suportar como presidente da república

Anónimo disse...

Grande operação de spinning...mas já ninguém cai nessa...ah...ah...ah

Anónimo disse...

O mal não é a apresentação de factos que designa por "operação de spinning", mas sim a memória curta de alguns indivíduos afectos ao PSD, caro anónimo das 11:09.

Anónimo disse...

Como é mesquinha a discussão política em Portugal. A falta de vergonha dos apoiantes do PSD que tem a coragem de dizer que a marca socrática é a marca do betão. Outro a dizer que valeu a pena endividar os portugueses em 15 bilhões de euros junto ao Citibank para fugir de coimas da UE que provavelmente seriam muito mais baratas.

Vocês, como HOMENS, não têm VERGONHA de virem num blog e tentar defender o INDEFENSÁVEL?

O PSD fez MERDA, na praça pública. Assumam. Admitam. É simples, não dói. TER VERGONHA NA CARA NÃO CUSTA NADA. FAZ BEM A SAÍDA E PREVINE O CANCRO.

Edie Falco

Anónimo disse...

Vamos com calma porque ainda é cedo. O que, no meu modesto entendimento, é necessário é fazer ver ao povo português que esta geronte de credível ou rigorosa tem muito pouco e é para não dizer que nada tem.A incompetência foi a trave mestra de toda a sua passagem pela vida politica. Ou incompetência ou um azar de ir à bruxa...ou às bruxas...(mais uma menos uma...). O povo tem memória e falta mais de um ano para eleições. Vamos com calma, repito, avivar a memória dos portugueses com episódios protagonizados por aqueles a quem já alguém lhes chamou PSD Partido "Socialista" a Diesel. Há muita literatura sobre a "historia destes orfãos politicos". Há que os desmascarar e a blogosfera tem um papel decisivo. Ai tem tem...

Francisco Clamote disse...

Sobre a sensatez da senhora fiquei elucidado. Bom trabalho !
Cumprimentos