quarta-feira, maio 27, 2009

Como pressionar magistrados do Ministério Público que têm um estatuto à prova de bala?

Guilhermina Marreiros, procuradora-geral adjunta (jubilada), escreve sobre ‘O meu Ministério Público e as pressões’. Eis uma parte do artigo do Público:
    Encontrei nesta magistratura gente de grande brilho intelectual, profissionais muito empenhados, probos, isentos e competentes e tive o privilégio de privar de perto com muitos deles. Destaco, no entanto, o tempo em que exerci funções no gabinete do procurador-geral da República, onde encontrei o dr. Lopes da Mota, então delegado do procurador da República, o primeiro magistrado a exercer funções de assessor naquele gabinete, sendo titular o dr. Cunha Rodrigues.

    Recordo-o, ainda hoje e muitos anos são já volvidos, como um magistrado exemplar, um profissional empenhado, estudioso e dedicado, um colega com todo o tempo do mundo para trocar impressões, reflectir e debater questões jurídicas, desenvolver estudos partilhados, trazendo à colação os contributos resultantes da sua pesquisa individual, debatendo e defendendo os seus pontos de vista à exaustão, com tenacidade e persistência e, muitas vezes, com obstinação.

    Cooperante, sempre se mostrou distanciado do poder político. Sou testemunha presencial das suas dúvidas quando foi convidado para "equilibrar" a pasta da Justiça, que tinha no seu vértice o dr. Vera Jardim e num dos pratos o conselheiro Matos Fernandes. Era preciso alguém do Ministério Público, dizia-se, para formar a equipa que tinha reformas importantes a que se dedicar, entre as quais a reforma do sistema tutelar de menores, área de grande importância para o Ministério Público, pelo papel que tradicionalmente lhe era (ainda é) atribuído.

    Se não aceitasse este desafio, obrigá-lo-íamos. Argumentando que há lugares que não se podem recusar, por imperativos de consciência e em nome de um serviço público maior que nos é pedido. Entendia-se, então, que seria importante colaborar com o poder político quando nos era dada essa oportunidade.

    Lopes da Mota aceitou e, a partir daí, os desafios sucederam-se. De resto, aceitando ou não a pasta de secretário de Estado, desafios não faltariam. O Ministério Público não se pode dar ao luxo de não aproveitar talentos. E Lopes da Mota é um magistrado sabedor, competente e íntegro. Não conheço, em detalhe, a tramitação do processo que o levou à Eurojust, mas não causou surpresa a ninguém, de boa-fé, que tivesse sido escolhido e designado membro do Estado Português para esta instância internacional.

    O que sei da acção desenvolvida no âmbito do processo Freeport pela Eurojust e das alegadas pressões sobre dois colegas é, rigorosamente, nada. Não conheço os processos nem falei com nenhum dos envolvidos. Vou lendo e ouvindo notícias, comentários e opiniões, cujo enfoque varia de sentido em razão do interesse político subjacente. Todos são opiniosos e ninguém é isento. Tão-pouco eu o vou ser agora: primeiro, porque conheço Lopes da Mota como uma pessoa de carácter, há muitos anos; depois, porque julgo saber do que é capaz, no calor de uma discussão jurídica, guiado pela certeza das suas convicções; por último, porque o enquadro naquele leque de pessoas a quem se aplica o aforismo "quem mal não usa mal não cuida" e, talvez por isso, não se tenha rodeado das cautelas necessárias num meio profissional que começa a evidenciar alguma esquizofrenia, reflexo da sociedade patológica e em crise onde se insere.

    Na minha opinião, Lopes da Mota é mais vítima do que algoz, nesta estória das pressões.

    Ao que parece, porque, em vez de se remeter ao silêncio distante, no seu pedestal de presidente da Eurojust, participou, discutiu e emitiu opiniões sem complexos ou preconceitos, entre colegas, que se pautam pelas mesmas regras.

    Sempre tive, para mim, que os magistrados não são susceptíveis de sofrer pressões, de qualquer tipo ou origem, porque têm um invejável estatuto onde se ancorar e uma estrutura hierárquica respeitável e legitimamente alicerçada.

    É, por isso, pertinente que nos interroguemos: quem pediu ou mandou pedir o quê e a quem? Que Magistrado foi coagido ou obrigado a fazer o que não devia e/ou sentiu a sua carreira realmente ameaçada? Que razão fundamental levou o Presidente da República a ser envolvido numa guerra entre magistrados do Ministério Público, à revelia do procurador-geral?

7 comentários :

Fernando P disse...

Subscrevo por inteiro o que a Dra. Guilhermina diz sobre Lopes da Mota e também sobre o clima esquizofrénico em que o Ministério Público está envolvido. Lopes da Mota foi tramado: tramado pela mediocridade, pelo sindicalismo alegre, pela indignidade de alguns magistrados. O Presidente Palma, o ex-Presidente Cluny, o Presidente da República, desautorizando o PGR, queimaram o Ministério Público. Venham agora dizer que é o Primeiro-Ministro que quer o fim da autonomia do Ministério Público.

Anónimo disse...

O ponto não é, nem está - como parece bom de ver - na eficácia das pressões no caso concreto.
Antes radica apenas na materialização de pressões ou interferências ilegítimas junto de titulares de processos judiciais.
Conduta, por si só, eticamente censurável e estatutariamente sancionada.
No caso de Macau, com o Juiz Celeiro Patrocínio e que, curiosamente, envolveu também a personagem que actualmente ocupa o lugar de Ministro da Justiça, a interferência também resultou ineficaz e isso em nada contende, evidentemente, com a censurabilidade da conduta, em si mesma considerada

ze maria disse...

O que chateia muito a canalhada laranja é que O personagem que actualmente ocupa o lugar de Ministro da Justiça, tem feito uma coisa que os tem irritado muito e que mais ou menos se sintetiza na seguinte frase: "Com calma e paciência até se consegue sodomizar...o canário". E tudo o resto é o mau perder do costume...

Anónimo disse...

As consequências do experimentalismo direccionado introduzido no sistema da justiça pela personagem que actualmente ocupa o lugar de Ministro da Justiça e sua magnífica equipa estão à vista de todos.
Em quatro anos houve, na realidade, progressos absolutamente notáveis em todas as áreas atingidas pela excelência das medidas criteriosamente por eles estudadas e implantadas.
É só olhar para o que se passa no domínio da acção executiva, no âmbito do penal e processo penal, na jurisdição tributária, nas custas processuais, nos registos etc etc et.
Onde poêm as excelsas mãos compõem, inovam e inevitavelmente aperfeiçoam e melhoram.
Bem hajam!

Anónimo disse...

Concordo inteiramente com o comentário anterior.
Como dizia Jesus Cristo: pelos frutos conhecereis a árvore.

Luis M.. - E as últimas do Polvo disse...

Apreciei o artigo publicado, no Público, de autoria da Procuradora-geral adjunta jubilada, Dr. Guilhermina Madeiros - E também felicito o jornal por ter publicado um texto que não enfileira no histerismo habitual. Sou apenas um simples cidadão, mas tenho seguido de perto o polémico caso das chamadas “altas pressões” - Pura manobra política, quanto a mim e que, lamentavelmente tem contado com a cumplicidade do Presidente Cavaco Silva., cuja equidistância não tem sabido manter.

Estou reformado mas trabalhei numa profissão que me permitiu entrevistar e contactar muita gente. Estive em casa desde Franco Nogueira a Costa Gomes. Desde o Monsenhor Moreira das Neves ao Gabinete de Azeredo Perdigão. Foram várias centenas de personalidades da vida nacional - e nas mais diferentes áreas - com as quais tive o privilégio de falar. Não conheço pessoalmente nem a Dra. Guilhermina Marreiros nem qualquer dos magistrados envolvidos na polémica questão. Embora - em termos profissionais - já tivesse também tido a oportunidade de falar com prestigiadas figuras da magistratura. Não vou citar nenhumas . No entanto, não quero deixar de aqui recordar, por exemplo ( embora não tendo sido uma figura de topo, mas cuja carreira podia ir longo), a saudosa Dra. Margarida, que julgou o Caso Taveira. De pequena estatura mas uma mulher corajosa e determinada.. Morreu ainda nova, vitima de doença prolongada. Admirei as suas excepcionais qualidades. Não merecia que o destino lhe pregasse um revés tão cruel - Bom, mas eu não me queria desviar da questão. Sublinhando, de facto, que gostei do artigo da Dra. Guilhermina Marreios. Por isso, vou tomar também a liberdade de o transcrever - até porque vem ao encontro da minha opinião e dos meus pontos de vistas, expressos nalgumas das postagens do meu blog. Agradecendo, desde já, ao autor da “Câmara Corporativa” esta oportunidade, felicitando-o por ter transcrito, o referido artigo (verdadeira lufada de ar fresco nas habituas enxurradas de veneno a que já nos acostumaram), porém, não querendo abusar do seu espaço, aproveito para aqui reproduzir dois breves excertos. Do BLOG NOTCIAS DO POLVO

“O mais alto representante da Nação aceitou que, uma das partes, pudesse valer os seus argumentos, exercer deliberada pressão sobre a equipa dos investigadores, nomeada pelo CSMP, que está a apurar as alegadas pressões, que Lopes da Mota, presidente do Eurojust, teria eventualmente exercido sobre os procuradores do caso Freeport.”
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“Face ao exposto: um última pergunta: acha razoável, senhor Presidente do Sindicato, João Palma, que, da sua parte, se pronuncie a expressão "intoleráveis pressões," quando, afinal, é o próprio, aos olhos da opinião pública, a exercê-las para que o seu colega seja castigado e com a cumplicidade do Presidente Aníbal Cavaco Silva?! - “
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“Sou um simples cidadão – Tenho outras coisas mais interessantes em que pensar e a minha idade não me aconselha e perder tempo com estes episódios, tão desagradáveis. Porém, é-me impossível ficar alheio. Pois, à medida que observo, com mais atenção os meandros deste autêntico polvo, cujos tentáculos se estendem, desde as instâncias judiciais à comunicação social e, destes poderes, de ambos os sentidos, ao Palácio de Belém, sim, maior é a minha incredulidade e desconfiança, sobre a falta de bom senso, o sentido de imparcialidade e equidistância, por parte das mais altas figuras e instituições que deviam, quer através dos seus actos, quer das suas palavras, constituírem-se como o exemplo fidedigno de credibilidade e de confiança para com os cidadãos, mas que, salta aos olhos da cara, não é a imagem e a sensação que, a mim, pelos menos, me transmitem ou demonstram - Porém, acho, que, mais do que as minhas palavras, falarão, creio, as contradições e os relatos, de como foi encarada a referida audiência.”

Anónimo disse...

Não sei se houve pressões. Se as houve, pelos menos dois procuradores são pressionáveis - o que não é bom. Seja como for, os dois procuradores preesionados só tinham uma coisa a fazer: participar o caso à hierarquia. E o que fizeram? Queixaram-se ao presidente do sindicato, João Palma, que correu a queixar-se ao Presidente da República. O procurador-geral. Isto cheira mal - muito mal.