- ‘Quase todos conheceremos, suponho, a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), das mais difíceis de "aceitar" à luz de critérios puramente racionais. Na verdade, por que motivo tanta alegria por uma boa acção conseguir apagar, de uma penada, uma série de patifarias? Talvez seja essa, admito, a grandeza da mensagem. Mas não é dos seus aspectos concretos que venho falar - uma vez que para tal me faltaria competência. Antes, da circunstância de a estória me ter vindo à memória ao ler o recente artigo de Pacheco Pereira neste jornal, sob o título "Jejum natural".
Acorreu-me à lembrança, em primeiro lugar, porque Pacheco Pereira cumpriu, finalmente, a promessa que tinha feito de analisar criticamente, e mais em pormenor, os relatórios da ERC sobre o pluralismo político-partidário no serviço público de televisão. Demorou, mais foi!
E mais recordei o já referido filho pródigo porquanto Pacheco Pereira, a começo de forma tímida, depois já em impulsos entusiasmados, se deixou seduzir e enlear pelo texto que pretendia destruir. Ora, haverá elogio mais saboroso do que o feito por um adversário do nosso trabalho? Ainda por cima, encómio involuntário?
É que Pacheco Pereira bem pode dizer, parafraseando Camilo, que comeu os miolos da ERC e ficou, depois, em "jejum natural" (não haveria por aí imagem menos feia?). Diga o que disser, a minha convicção está formada. Pela positiva, Pacheco Pereira ficou é de barriga cheia com o relatório sobre o pluralismo feito pela ERC!
Passo a demonstrar.
Na aparência, o cronista volta a contestar o relatório da ERC, recorrendo, aliás, aos argumentos de sempre. Não gosta do conceito de pluralismo político-partidário, porque acha que é pobre; diz depois, e cito, que este conceito é "pouco mais do que o equilíbrio estatístico do tempo noticioso e do 'tom' noticioso, uma avaliação puramente formal daquilo que se está a julgar"; insiste que a ERC deveria fazer "estudos de caso" - ao que suponho, aqueles a que chama, com inegável talento para o "sound bite", os "momentos Chávez"; repisa, finalmente, a omissão da ERC perante a que considera ser a escandalosa governamentalização da RTP.
Chegado a este ponto do seu artigo, que é bastante grande, não escondo que pensei: "pronto, lá vem mais do mesmo!". E enfrentei carácter a carácter, palavra a palavra, linha a linha, sem grandes expectativas.
Mas, não. É verdade que adiante vai zurzindo, aqui e ali. E termina com a tal coisa horrível da mioleira.
Contudo, algures pelo caminho, das duas, uma: ou Pacheco Pereira perdeu a alma, porque se rendeu a um inimigo figadal; ou (prefiro esta) converteu-se.
Afinal, os dados da ERC quanto à informação não-diária na RTP são "relevantes", porque "afectam o equilíbrio geral". De facto, há um "raio de verdade que atravessa a nuvem dos números enganadores" (então, os números são enganadores ou fiáveis?); a informação diária na RTP minimiza o PSD, é ainda o partido da oposição sujeito a maior número de peças hostis, etc.
Traduzindo, o colunista descobre o grande proveito do relatório da ERC, interpreta e analisa os seus dados, acrescenta-lhes a sua apreciação qualitativa. Aceita-o, finalmente, como instrumento qualificado e exaustivo para permitir uma avaliação rigorosa do serviço público quanto ao cumprimento de obrigações reforçadas de pluralismo político.
Evidentemente, mesmo nestes aspectos, Pacheco Pereira é parcial. Não faz uma apreciação de conjunto sobre os dados relativos à RTP, captura o que mais lhe importa. Não "leu" o relatório, "petiscou" no relatório.
Note-se porém, em sua defesa, que esta parcialidade era inevitável a dois títulos.
Em primeiro lugar, porque detesta ainda mais a RTP do que a ERC, considerando que os seus jornalistas, ou são uns seres meio asininos manipuláveis como crianças, ou uma espécie de quarenta ladrões, chefiados agora por José Sócrates e Santos Silva, como antes (Pacheco Pereira dixit) tinham sido por Durão Barroso e Morais Sarmento.
Já se terá percebido quem é o Ali-Bábá da imparcialidade e do rigor informativo. Pois, é Pacheco Pereira. Que é também parcial, em segundo lugar, pela razão tão óbvia quanto legítima de ser um actor político relevante. E, como actor político que é, faz a análise que interessa à sua agenda política. Repito, nada a criticar.
Por outro lado, Pacheco Pereira é contra um serviço público de televisão. Acredita firmemente que, por definição, um serviço público desta natureza está ao serviço do poder político instalado. Nessa medida, só poderia admitir, quando muito, uma Rádio e Televisão Pacheco Pereira, SA (RTPP, SA). Mas, ai dos jornalistas se esse cenário se realizasse. Andavam a toque de caixa!
Por outro lado, e em relação à ERC, Pacheco Pereira persiste em confundir os planos. Ao contrário de si, a ERC não tem "agenda" política, nem faz política. Que o seu trabalho possa ser objecto de análise política (como tem sido), claro que sim. Mas a ERC mantém-se arredada desse mundo que, quase que por definição, é o mundo escolhido por Pacheco Pereira. E onde tem querido, a todo o custo, incluir o regulador da comunicação social. Sem êxito. Chega de criticar Pacheco Pereira.
Digo-lhe, aliás, publicamente obrigado, em nome de um dever elementar de educação. E obrigado, já que, tendo lido o relatório sobre o pluralismo da ERC, percebeu a sua grande utilidade, a sua profundidade, as enormes possibilidades de análise séria que entreabre. Ainda não foi desta que Pacheco Pereira conseguiu fazer essa análise. Mas está dado o primeiro passo, e esse é que é importante saudar. Sempre pela positiva, porque para tristezas já bastam os tempos difíceis que atravessamos.
Mesmo antes de acabar, um aparte. Sinto - embora lute contra tal debilidade - alguma pena da confraria de resistentes, os que dizem mal da ERC, porque sim; ou aqueloutros que, em relação à dita, já estão em fase negacionista (se fingir que não existe, talvez deixe mesmo de existir). Imagino o seu desânimo ao lerem o artigo de Pacheco Pereira, o desabafo involuntário, soprado entre dentes: "Que raio, para que foi isto? Tu quoque, Pacheco Pereira?"’
1 comentário :
O Pacheco, enquanto analista de televisão, e não só, lembra o saudoso Mário Castrim, conhecido entre os jornalistas como "o sectário geral". Pacheco é exactamente isto, um sujeito que só vê em função das palas. Às vezes não paciência nenhuma para o aturar, e confesso que gostaria que os jornalistas alvo da sua sanha inquisitorial lhe fizessem um pouco mais de frente. A arrogância intelectual do homem e as suas certezas absolutas são insuportáveis.
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