- ‘A questão do formato do futuro Governo em caso de maioria relativa do PS nas próximas eleições parlamentares voltou a ser agitada com a entrevista do anterior líder socialista, Ferro Rodrigues, ao semanário Expresso, defendendo que nessa eventualidade Sócrates deve desafiar O PCP E O BE para uma aliança de Governo e que em caso de falhanço de uma solução à esquerda deveria então virar-se para o PSD. Vale a pena reexaminar o tema, por demais controverso.
Antes de mais, não deve descartar-se definitivamente a hipótese de vitória socialista com maioria parlamentar. Os dados eleitorais ainda não estão todos lançados, a volubilidade eleitoral é grande entre nós e o PS tem bons argumentos para defender a renovação da maioria.
Primeiro, porque ela é a única garantia da estabilidade política; segundo, porque um bom Governo merece ser reconduzido; terceiro, porque há que preservar as reformas efectuadas nesta legislatura e concluir as que ficaram inconclusas; quarto, porque nenhum dos partidos da oposição dispõe do mínimo de credibilidade e de programa político capaz de responder aos problemas nacionais, limitando-se a uma agenda puramente negativista; quarto, porque o partido que mostrou capacidade para responder à recessão global que atingiu o país - e da qual há sinais de que estamos a sair - merece ser premiado politicamente.
Por menos fácil que se afigure a esta distância atingir esse objectivo eleitoral, abandoná-lo em favor da especulação sobre as alternativas de Governo de coligação em caso de ele não ser alcançado não traz nenhuma vantagem eleitoral ao PS. Por duas razões fundamentais.
Por um lado, qualquer das soluções de aliança governamental aventadas só faz perder apoios eleitorais dos dois lados do amplo espectro político a que se dirige o PS. O eleitorado do centro-esquerda, do qual depende toda a hipótese de vitória eleitoral socialista, não ficará propriamente entusiasmado com uma perspectiva de coligação com o PCP ou com o BE, ambos partidos radicalmente antiliberais e antieconomia de mercado, além de antieuropeus. Por sua vez, o eleitorado de esquerda, que o PS disputa ao PCP e ao BE, nem quer ouvir falar na reedição de um Governo do "bloco central", tanto mais que o PSD entrou numa evidente deriva neoconservadora e neoliberal. Jogar com ambas as hipóteses só junta os dois prejuízos.
Por outro lado, não se pode descartar antecipadamente a hipótese de um Governo minoritário do PS, na falta de maioria parlamentar, com alianças políticas pontuais de geometria variável, à esquerda e à direita, de acordo com os temas em questão. Sucede que uma tal solução tem a seu favor vários argumentos. Primeiro, evita o dilema da escolha entre Cila e Caribdis, entre potenciais parceiros governamentais sem nenhuma garantia de consistência e de fiabilidade política. Segundo, permitiria manter a centralidade do PS no panorama político, sem cedências ao radicalismo de esquerda e ao conservadorismo da direita. Terceiro, em caso de insucesso dessa solução, sempre se manteria em aberto, numa segunda fase da legislatura, a hipótese de uma solução de coligação, que o tempo e a experiência possam vir a tornar palatável.
Ponto é que, se for caso dessa solução, o PS parta para ela sem conformismo e sem espírito de cedência, e antes com uma atitude aguerrida e militante, ao contrário do que sucedeu entre 1995 e 2002. A primeira coisa a tornar claro é que um tal Governo não hesitará em apresentar a demissão e reclamar novas eleições se for vencido em questões decisivas, como a votação de orçamentos ou de reformas essenciais do seu programa. O PS não pode ceder em governar com orçamentos feitos pela oposição ou mediante expedientes como o lamentável episódio do "queijo limiano". No caso de as oposições se coligarem negativamente contra o Governo, impedindo a realização do programa eleitoral, a solução só pode ser a convocação dos eleitores para decidir o que fazer do Governo.
Há dois pontos adicionais que requerem uma referência específica.
O primeiro diz respeito à dificuldade e insucesso de governos de coligação entre nós, diferentemente do que ocorre em muitos outros países. A verdade é que isso deriva de condições políticas objectivas, em especial quanto à impossibilidade de coligações do PS à sua esquerda. Em nenhum outro país, como em Portugal, existe uma tal incompatibilidade política entre um partido da família social-democrata e socialista democrática e os partidos da esquerda comunista e neocomunista, tão visceralmente anti-PS como o PCP e o BE são. Enquanto as coisas forem o que são, não vale a pena alimentar ilusões sobre alianças impossíveis.
O segundo argumento tem a ver com a ideia de que a única maneira de o PS atrair o eleitorado de esquerda desavindo é admitir antecipadamente coligações com o PCP ou com o BE. Provavelmente, o que é verdade é o argumento contrário, ou seja, o melhor modo de o PS disputar esse eleitorado à extrema-esquerda é mostrar que não existe nenhuma hipótese realista de coligação com tais partidos - desde logo porque eles próprios não querem nada com o nem com o Governo, como partidos de contrapoder que são - e que o voto neles só serve para aumentar as chances de vitória eleitoral da direita.
Para haver um Governo de esquerda não basta uma "maioria de esquerda" (ou das esquerdas), sendo necessário que o PS ganhe as eleições. É evidente, porém, que para o PCP e o BE o principal objectivo é derrotar o PS, mesmo à custa da entrega do poder à direita. A tarefa do PS consiste, pois, em mostrar que não há solução de Governo de esquerda sem a sua vitória eleitoral e que isso é do interesse também de uma larga faixa do eleitorado de esquerda que, embora com razões de queixa, preferem um Governo de esquerda, mesmo moderada, a uma solução de direita.’
1 comentário :
Muito sr. Doutor. Esta é a estrategia a seguir. Completamente de acordo.
Enviar um comentário