- ‘A questão tem-nos batido à porta nestes últimos dias. Passámos por cá a viver ao ritmo dos aparentemente inquestionáveis juízos das agências de rating internacionais sobre a idoneidade nacional para pôr ordem nas contas públicas. As mesmas que estão a fazer a vida negra aos gregos e que resolveram tomar de ponta os suspeitos do costume, ou seja, os "indisciplinados" do Sul da Europa, aqueles que sempre acharam que nunca deviam ter entrado no euro. E quando o Governo português — pela voz de José Sócrates ou de Teixeira dos Santos — protesta contra este ataque sistemático à credibilidade do Estado português pelas mesmas agências que há dois anos se enganaram clamorosamente na avaliação dos países e das empresas, questionando os seus motivos, lá vêm as vozes do costume defender a clarividência dos mercados e dos seus supremos porta-vozes e atacar o poder político.
Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Não se trata, naturalmente, do problema das finanças públicas de Portugal e de muitos outros países da zona euro, nem da necessidade de estabelecer estratégias destinadas a voltar a equilibrá-las no médio prazo. Há um problema sério de endividamento das democracias ocidentais que resulta da forma como os respectivos governos tiveram de intervir em grande escala para salvar o sistema financeiro do colapso e a economia real de uma recessão ainda mais severa. E há um outro problema das mesmas democracias que resulta do facto de terem, muitas delas, vivido acima das suas posses. O problema é comum a Portugal ou a Espanha, à Irlanda e ou Reino Unido. É igualmente o problema americano. Ninguém quer dizer com isto que as economias mais frágeis, como a nossa, se podem dar aos mesmos luxos das economias mais fortes. Temos problemas específicos que agravam a nossa situação, que estão sobejamente diagnosticados. Mas a grande questão que está hoje em debate é saber como conduzir esta fase extremamente delicada em que os primeiros sinais da retoma ainda podem ser anulados por uma retirada dos estímulos à economia demasiado rápida. É este o dilema dos governos. É esse o exercício difícil que o Presidente Obama está a fazer com o Orçamento para o próximo ano fiscal. É esse o exercício de quase todos os países da zona euro. É esse o exercício do Governo de Lisboa, independentemente das particularidades da nossa situação.
O que há de verdadeiramente indecoroso nesta história é a forma como as agências de rating regressam à cena como se nada tivesse acontecido, partindo dos mesmos pressupostos e decretando, com a mesmíssima e imperturbável verdade, as regras do jogo económico. Mais: fazendo com que os efeitos criados pelas suas avaliações dêem muito dinheiro a ganhar a alguns e muito dinheiro a perder a outros — que, basicamente, são os mesmos.’
1 comentário :
Um artigo lúcido no meio deste pantanal de falsidades e meias verdades.
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