quarta-feira, junho 02, 2010

Leituras

• João Pinto e Castro, Oráculos e outras ferramentas de análise económica:
    O mesmo tipo de cegueira dita o comportamento dos analistas das agências de "rating". Nicolau Santos relatou há tempos, no "Expresso", a cómica conversa que manteve com um deles, especialista em economia portuguesa, cujas fontes de informação se reduziam a uma selecção limitada de artigos de jornais. Tudo o que não encaixasse na sua visão obtusa pura e simplesmente não lhe interessava.

    O resultado desta forma de conduzir as transacções financeiras está à vista. O sistema financeiro arrastou o mundo para um buraco, forçando uma intervenção de emergência dos estados para evitarem a catástrofe. Em resultado, uma boa parte do endividamento foi transferido do sector privado para o público. Ironicamente, o sector financeiro usa agora as ajudas de que beneficiou para especular contra a dívida pública, ou seja, contra todos nós.

    Por que sucede isto? Os desequilíbrios financeiros internacionais persistem, com a poupança e os excedentes comerciais concentrados num punhado de países. Em consequência, não há condições para que a procura privada, seja de consumo ou de investimento, se expanda nos restantes. Há muito dinheiro entesourado, mas escassas oportunidades de aplicação rentável. A manutenção de baixas taxas de juro cria condições favoráveis à especulação, acirrada pelos riscos da dívida de alguns estados.

    A voz do mercado diz-nos hoje que os estados devem adoptar políticas restritivas.

    Ao invés, a voz da razão diz-nos que subsiste um forte risco de recessão ou, pelo menos, estagnação prolongada. Alerta-nos para a necessidade de os apoios às economias não serem retirados enquanto a procura privada não reanimar. Faz-nos ver que nem todas as dívidas poderão ser pagas. Recomenda, por isso, a renegociação internacional das dívidas e a aceitação de níveis de inflação um pouco mais elevados como forma de desvalorizá-las. Sugere um empenhamento na eliminação dos excedentes persistentes pelo menos tão grande como aquele que é dirigido contra os défices persistentes. "Last but not least", recomenda a aceleração das reformas das instituições financeiras e do seu funcionamento.

    "Por que raio haveríamos nós", perguntou recentemente Robert Skidelsky, "de tomar mais a sério o sentimento do mercado do que quando ele nos conduziu ao grande deboche de 2007?" Invocar a autoridade do mercado como quem consulta um oráculo para justificarmos as nossas preferências ou cegueiras é uma forma pouco séria de debater. Nenhum suposto determinismo económico pode ilibar-nos da responsabilidade de fazermos as nossas próprias escolhas.

Sem comentários :