sexta-feira, julho 16, 2010

Leituras [2]

• Fernando Madrinha, Sócrates contra Sócrates:
    (…) a verdade é que Sócrates sempre apresentou justificações de esquerda para as suas "malfeitorias de direita" - até 2008 por causa do défice, daí em diante por causa da crise e outra vez do défice. Aumentou a idade de reforma para a Função Pública e penalizou os pensionistas em geral, mas vê-se agora, pelas recomendações da Comissão Europeia sobre o assunto, que andou à frente do tempo e que as alternativas são bem piores. As medidas contra o Estado providência, desde o fecho de urgências e de escolas a múltiplas restrições na área social, justificou-as sempre com o propósito de racionalizar os meios e defender o essencial desse Estado providência. Depois, o mesmo Sócrates que gritou "Espanha, Espanha, Espanha!" quando chegou ao poder não hesitou travar à força o negócio pretendido pela Telefónica e pelos poderosos acionistas da PT. E, para cúmulo, do "porreiro, pá!" com Durão Barroso passou às críticas à Comissão por neoliberalismo militante, tema caro a toda a esquerda e aos velhos inimigos de Barroso.

    Por mais quixotesca e ineficaz que venha a revelar-se a decisão sobre a PT, ela permitiu a Sócrates, de uma assentada, descolar dos grandes grupos financeiros que a esquerda o acusava de servir e pôr ao peito uma medalha patriótica que, mesmo que o negócio se faça, lhe renderá bons trunfos eleitorais. Em consequência de tudo isto, até o drama das presidenciais parece resolvido: os discursos do líder do PS e do seu candidato, Manuel Alegre, estão agora bastante alinhados, sem que pareça que algum deles se rendeu ao outro.

    A crise, além dos escândalos, impediu Sócrates de renovar a maioria absoluta. Não é certo, porém, que faça dele um candidato derrotado às próximas eleições, em especial se elas ocorrerem por interrupção forçada do seu mandato. Os eleitores estão descontentes, mas uma boa parte deles talvez receiem mudar de piloto quando o país atravessa uma zona de grave turbulência, factor que, aliás, já teve o seu peso em Outubro. E o piloto substituto, Pedro Passos Coelho, está longe de ter provado as suas competências. A lógica da alternância joga a seu favor, é certo. Mas as propostas que se lhe conhecem, nomeadamente em matéria de políticas sociais, não são de molde a inspirar mais confiança aos que dependem ou receiam vir a depender dessas políticas. Isto é, a quase toda a gente. O medo de que as receitas do PSD para a crise sejam ainda mais dolorosas é um poderoso aliado do PS. Daí que Sócrates volte a ter o seu destino nas mãos, quando muitos já davam por adquirido que ele dependeria apenas de terceiros.

1 comentário :

PedroM disse...

Como alguém já disse lembrando Mark Twain, as notícias sobre a morte política de Sócrates são manifestamente exageradas.
As necessárias negociações com o PSD por causa do PEC, fragilizaram o Governo, que apareceu como a parte mais fraca, necessiatndo da ajuda da oposição, e em cima disso acabou ainacomo o mau da fita, arcando com os custos políticos das mediadas de austeridade.
Para o PSD funcionou ao contrário, apareceram na posição de partido responsável, que dava a mão ao Governo e que sacrificava os seus interesses em nome dos interesses do país. Para o PSD foi só ganho e teve (tem...) o reflexo disso nos resultados das sondagens ultimamente divulgados.
Acontece que o PSD, como se costuma dizer, "veio com muita sede ao pote", e ao hostilizar o governo permitiu a este demarcar-se e sublinhar o vazio de ideias e expor a falsa alternativa em que se constitui o PSD, isto sem que seja visto como uma "traição" ou um excesso de agressividade para com um partido, o PSD, que ainda há pouco negociou com o governo.
O PSD, mostra-o a nossa história desde o 25 de Abril, não sabe governar em cenário de dificuldades, vidé o que se passou nas décadas de 70/80 e a fuga de Durão para Bruxelas e o período "Santanico" que se lhe seguiu. Eles melhor que ninguém sabem que a sua agenda liberal tem poderosos anticorpos na sociedade.
Para regressar ao poder têm de a esconder. Creio que o PS e governo não mais permitirão que isso aconteça.
A sua melhor esperança para conquistar o poder consiste no agravamento da crise económica, mas para saber até que ponto esta se agravará (ou não...) na sequência da aplicação dos planos de austeridade, não apenas cá, mas por toda a europa, só lendo as estrelas...