terça-feira, novembro 02, 2010

Direito fiscal i-nstantâneo [2]

Não vou deixar que a grosseria estrague uma boa conversa. Sigo a ordem que Bruno Faria Lopes (BFL) estabeleceu:
    Ponto 1. os agregados com declarações acima de 66.045 mil euros brutos de rendimento anual ficaram de fora do acordo. Não são 50 mil, nem 1% – vocês [sic] estão enganados. Vejam os escalões do IRS para 2011, depois vejam as estatísticas do IRS.
BFL incorre logo num erro quando se refere a “66.045 mil euros brutos de rendimento anual”. Como se pode ver na Proposta de Lei do OE-2011 (p. 127), trata-se de uma coisa diferente: rendimento colectável. Pelas minhas contas, isso significa que “ficaram fora do acordo” os agregados com rendimentos acima de 74.200 euros (a que há que subtrair a dedução específica e, eventualmente, outras despesas).

Quantos agregados ficam abrangidos? BFL fala em 5% enquanto eu digo que nem a 1% chega. As minhas contas são estas: os dados disponíveis respeitam a 2008 (e publiquei-os há dias aqui) Os actuais dois últimos escalões de IRS (cf. artigo 68.º do Código do IRS) correspondem ao último escalão existente em 2008 (então com a taxa de 42%). Assim sendo, para os dois últimos escalões há cerca de 33.186 agregados para um universo de 4.385.105 agregados. Contas feitas, não chega, de facto, a 1%: 0,7567891761%.

    Ponto 2: a manutenção dos actuais limites para as deduções fiscais beneficiam tendencialmente mais em termos relativos ( re-la-ti-vos) quem tem menores rendimentos – no limite, e dependendo dos pressupostos assumidos nas simulações (do i, do Jornal de Negócios, etc. etc.), o impacto relativo chega a ser semelhante.
É verdade que, no tempo de Guterres, se corrigiram as injustiças que vinham do tempo de Cavaco. Já escrevi sobre isso (o João Miranda tem isso tudo coligido, estando o post mais recente aqui). Mas não é menos verdade que, apesar das alterações introduzidas, os contribuintes de menores rendimentos não terão as mesmas condições para recorrer a estas deduções que os contribuintes de maiores rendimentos (no caso das despesas de educação, juros de habitação ou PPR). No entanto, é nas despesas de saúde que a diferença de tratamento se torna mais gritante por não haver limites (salvo em relação a questões marginais que agora não interessam). Veja-se o Quadro 44 das estatísticas do IRS para se perceber de que montantes estamos a falar.

E, para terminar, talvez nada melhor do que fazer um desenho para que BFL não perca tempo para entender que não são os contribuintes de menores rendimentos que mais beneficiam, nem em termos re-la-ti-vos:


4 comentários :

Anónimo disse...

por favor comentem a afirmação de Cavaco no Twitter: Cavaco Silva afirmou hoje através da rede social Twitter que vê “com muita apreensão o desprestígio da classe política e a impaciência com que os cidadãos assistem a alguns debates”.
desconfio que vem aí muito populismo... muita demagogia...

FB disse...

De facto este desenho é elucidativo. Os benefícios são na realidade despesas de consumo PAGAS EM PARTE PELO ESTADO (isto é, por todos nós, pobres e ricos) aos cidadãos que têm rendimentos suficientes para pagar a outra parte, e SÓ A ESSES: despesas de saúde, educação, empréstimos bancários para compra de casa, planos de poupança reforma,...
Não se trata de impostos, trata-se de dinheiro DADO pelo Estado.
O drama é que esses benefícios estão vedados aos contribuintes de menores rendimentos, que não podem na prática deles usufruir, por duas razões: primeiro, não têm rendimentos suficientes para fazer essas despesas. Segundo, mesmo quando conseguem aceder a esses "luxos", pouco ou nada recebem, porque esses montantes estão limitados ao IRS a colectar.
É bem verdade que um bom desenho torna as coisas mais claras! Basta observar a curva para ficar elucidado sobre a verdadeira progressividade do IRS.

Anónimo disse...

Porque usa as estatísticas de 2008, não há as de 2009. Além disso a forma como se apura o rendimento colectável alterou-se, ...

De qq forma 0.74% continua a ser menos de 5%, o título continua correcto.

Miguel Abrantes disse...

Uso os dados de 2008 porque são os que estão disponíveis.
As declarações de 2009 foram entregues em 2010, como sabe.