domingo, novembro 07, 2010

A perda de um cantor lírico [1]



Passos Coelho esteve a um passo de ser cantor lírico. Ou, pelo menos, artista de variedades. Chegou a ir a um casting de Filipe La Féria, no qual não foi apurado por um triz. Passos Coelho teria, sem dúvida, uma carreira mais promissora no canto do que na vida política. Que se saiba, no canto nunca se orientou para o género pimba, mas na vida política é esse o único género que obsessivamente cultiva.

Depois de ter feito declarações de amor neoliberais, completamente ao arrepio da História, enquanto os mercados financeiros provocavam uma crise só comparável ao crash de 1929 de Wall Street, Passos Coelho enveredou por uma revisão constitucional surpreendente, da qual incumbiu um monárquico jubilado da política e da finança, com vagas aspirações a poeta.

O resultado desta insensata iniciativa foi o que se viu: assustou todos os portugueses com a ameaça de extinção do Serviço Nacional de Saúde e do ensino público universal. Pelo meio, o monárquico jubilado da política e da banca ainda teve tempo para fazer propostas ideológicas excêntricas como extirpar da Constituição a referência de que as Forças Armadas defendem a República ou a permissão de revistas às pessoas pela segurança privada.

Depois de um assomo de responsabilidade na negociação do PEC com o Governo, certamente inspirado pelo insucesso das iniciativas anteriores, Passos Coelho teve uma recaída. Decidiu inviabilizar o Orçamento do Estado para 2011, criando o perigo de levar o país à bancarrota.

O raciocínio dos seus spin doctors é fácil de explicar. Apostados em chegar o mais rapidamente ao poder, com medo das asneiras próprias e do ataque interno de rivais como Rio, Rangel ou Sarmento, pretenderam queimar o Governo em lume brando, encarando como um mero dano colateral a bancarrota do país. A ideia era não viabilizar a aprovação do Orçamento do Estado para 2011, obrigando o Governo a manter-se em gestão até Maio, no meio de grande turbulência económica e social, e ganhar depois as eleições com maioria absoluta.

Passos Coelho e a rapaziada da São Caetano não se comoveram, neste seu plano, com as devastadoras consequências ao nível do défice, do financiamento da dívida soberana e do desemprego que adviriam para Portugal. Pesou mais na sua decisão o medo de não conseguirem aprovar uma moção de censura após a eleição presidencial, devido à necessidade de congregarem, para isso, os votos do PCP ou do BE e não apenas do CDS. Apesar de estas coligações negativas não serem raras, a extrema-esquerda ainda tem algum receio de ser desmascarada relativamente à sua patológica inimizade ao PS.

4 comentários :

Anónimo disse...

Excelente análise. Parabéns.

aix disse...

Eu pergunto porque fiquei abismado: merece governar um País quem defende justiça criminal para decisões políticas? Aceitaria PPC ser julgado criminalmente por perder umas eleições(que também custam dinheiro ao povo)?

Von disse...

Líricos são vocês... perdão, vou emendar: desonestos!!!

Anónimo disse...

não é preciso tanta análise para concluir que o gajo nem sequer respeita o que assinou, ou seja ficar calado.