quarta-feira, fevereiro 23, 2011

O “choque laboral”, ou como atingir o pleno emprego com salários de 200 euros

Em tempos, a estratégia do PSD para o país reduzia-se a duas palavras: “choque fiscal”. Hoje, como o modelo irlandês já não é o que era e os tempos não convidam a baixar impostos, o PSD opta pelo “choque laboral”.

Há um princípio que convém sempre seguir: quando a direita começa a citar slogans vagamente marxistas, algo de grave se passa. É o que acontece quando Miguel Macedo faz da expressão “exército de desempregados” uma das suas favoritas e mais repetidas dos últimos tempos.

Quando a ouvimos da boca da esquerda – aquela que provavelmente leu Marx – intuímos que seria mais fácil resolver o problema do desemprego expropriando os proprietários e nacionalizando os meios de produção. Mas quando ela vem da direita, sabemos que a expropriação incide sobre aqueles que nada mais têm para garantir a sua sobrevivência que a força dos seus braços (ou, em tempos de capital humano qualificado, a conexão das suas redes neuronais). Neste caso, trata-se da expropriação de direitos mínimos de protecção dos que trabalham ou procuram emprego. Afinal, o que é próprio dos “exércitos” é serem mobilizados e os seus elementos tratados em função das necessidades (militares) do momento. Era esse o propósito da malograda proposta do PSD do “tributo solidário”, uma triste ideia que mostrava não compreender que o subsídio de desemprego é um seguro co-financiado pelo trabalhador e que o seu objectivo é fazer uma concorrência (saudável) ao mercado de trabalho, evitando que os empregadores abusem de salários de exploração (dito de outra forma para ver se Miguel Macedo compreende de vez: não, nem “todo e qualquer emprego é melhor que o desemprego” – a sua lógica é precisamente aquela que legitima, no limite, o trabalho forçado).

O PSD não deve perceber muito de estratégia militar, mas sabe ouvir os empregadores que pretendem que os trabalhadores possam ser tratados como uma mercadoria o mais pura possível. É por isso que o projecto de lei que apresentou para incentivar a contratação de jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados inscritos há mais de 6 meses num centro de emprego¹ representa, como o PSD bem sabe e admite, um “novo paradigma” de relações laborais.

Trata-se de um “paradigma” que desrespeita a situação de fragilidade em que se encontram jovens e adultos no actual mercado de trabalho e que agrava a situação de precariedade contra a qual muitos reclamam, quer ao nível do contrato a termo, quer, mais grave ainda, ao nível do contrato de trabalho temporário.

O que propõe o novo “paradigma”? Entre outras coisas, prevê que, ao contrário do regime geral previsto no Código do Trabalho, possa não existir qualquer contrato escrito entre empregador e trabalhador, uma vez que a inobservância da forma escrita não determina a nulidade do termo. O PSD, partido cada vez mais povoado – como esta proposta mostra – por liberalóides, devia saber que a regra da forma escrita existe para garantir o cumprimento de qualquer contrato e que, no domínio do direito do trabalho, ela está lá para proteger o trabalhador contra o arbítrio do empregador. Esta proposta não representa apenas a legalização da mais radical das precariedades – ela eleva também ao ponto mais elevado a arbitrariedade a favor da entidade empregadora - é que se a forma escrita não é obrigatória, expliquem-me por favor como é que um trabalhador exige que o empregador cumpra aquilo a que se comprometeu -, que não teria sequer de indemnizar pecuniariamente o trabalhador, uma vez findo o contrato, já de si precário.

O paradigma do “trabalho à jorna”, que é afinal bem velho, poderia regressar. E com o PSD, um país com salários a 200 euros – o resto seria coberto pelo subsídio de desemprego, como prevê o projecto de lei - e trabalhadores recrutados e despedidos quase ao sabor diário das encomendas, poderia aspirar de novo ao pleno emprego.

O PSD acha que o facto de o Governo estar a discutir na concertação social uma redução das indemnizações nos despedimentos nos contratos sem termo – juntamente com a constituição de um fundo que responsabilize as empresas - lhe retira legitimidade para criticar a sua proposta. Não espanta: é próprio de quem não compreende a diferença entre o “paradigma” laboral do século XXI e o do século XIX.
    Contributo do Pedro T.
_________
¹ O PSD decide, ignorando a definição internacional do conceito, que “desempregado de longa duração” é aquele que se encontra sem emprego há mais de 6 meses, e não há mais de um ano.

3 comentários :

ana disse...

Querem voltar ao tempo do trabalha à jorna no Alentejo

Anónimo disse...

Mas o tempo dos 11% de desempregados, sem contar com aqueles que já expirou a duração do subsídio é melhor.

Anónimo disse...

Vai-me desculpar mas é melhor sim, porque os 89% que ainda trabalham fazem-no com dignidade e se não nas melhores condições pelo menos com um minimo de direitos.Ou está a pensar que se o trabalho á jorna voltar não lhe vai calhar a si também? que ingenuidade...