terça-feira, maio 24, 2011

Plafonamento: a hora de abocanhar a segurança social

1. Na entrevista de quarta-feira passada na RTP1, Pedro Passos Coelho demonstrou querer regressar a um velho projecto do PSD: a privatização parcial da Segurança Social, através do conhecido sistema de plafonamento das contribuições e das pensões. Naturalmente, o líder do PSD justificou o seu projecto a partir do ângulo mais populista: a colocação de um tecto às pensões milionárias. Aparentemente, Passos Coelho desconhece que as regras actuais já limitam o valor máximo da pensão a 12 IAS (cerca de €5.000).

Passos Coelho disse com o que concordava, mas não abordou, naturalmente, as consequências de uma medida deste tipo: o plafonamento das pensões tem como contrapartida o plafonamento das contribuições, que não pode deixar de levar, a prazo, a uma descapitalização do orçamento da segurança social. Depois, quando este estiver em crise financeira séria, será dito que o sistema não é sustentável, e que a privatização é inevitável. A estratégia da direita no financiamento e gestão dos sistemas públicos de que se quer ver livre – a da profecia que se cumpre a si própria - é já um clássico.

2. Passos Coelho afirmou também que a reforma levada a cabo pelo governo do Partido Socialista na anterior legislatura não foi “suficientemente longe”, numa expressão que adquire um sentido duplo. O primeiro é o da sustentabilidade financeira do sistema no longo prazo. O líder do PSD parece querer alimentar deliberadamente uma ideia errónea e alarmista sobre esta questão, ignorando que a reforma de 2006 permitiu retirar Portugal na zona de risco dos países da OCDE no que diz respeito à sustentabilidade dos sistemas de segurança social.

Se fosse necessária uma prova da saúde financeira a longo prazo do sistema, ela foi dada pelo acordo assinado esta semana com a equipa representante do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia. Ao contrário do que aconteceu na Grécia, onde a delegação do FMI/BCE/CE impôs uma reforma abrangente do sistema (com o aumento da idade de reforma dos 60 para os 65 anos, a diminuição significativa das taxas de formação das pensões, e com o cálculo da pensão a ter por base toda a carreira contributiva), em Portugal nada disso foi necessário, pela razão de que o trabalho de casa fora feito em 2006. E ao contrário do que aconteceu na Irlanda, onde a delegação do FMI/BCE/CE impôs um aumento da idade da reforma para os 66 anos em 2014, 67 anos em 2021 e 68 em 2028, o acordo firmado com o Governo português não altera qualquer parâmetro do nosso sistema de pensões.

3. O outro sentido da expressão é, do ponto de vista politico e ideológico, particularmente enganador: a discordância em relação à reforma de 2006 não está na distância percorrida, mas no modelo encontrado. O problema de Passos Coelho é que o PS mostrou conseguir defender um sistema social público sem avançar para a sua privatização: um sistema auto-financiado por contribuições de empregadores e trabalhadores - capaz de ajustar inteligentemente a evolução das despesas às receitas previstas e redistribuir o montante da pensão a partir de um factor de sustentabilidade que leva em linha de conta a evolução da esperança média de vida - e solidário, por garantir uma melhor relação entre os salários e as pensões aos que menos ganham. No sistema público, solidariedade e sustentabilidade caminham de mão dada. Já no modelo preferido pelo PSD, pelo contrário, os que mais ganham deixariam de descontar em grande parte para o sistema público, o que colocaria em causa a sustentabilidade e a solidariedade do sistema.

4. A justificação do PSD é, por isso, fundamentalmente ideológica. Não há nenhum problema com isto: a política exige escolhas claras. Mas é importante que não restem dúvidas que esta solução procura romper deliberadamente com uma lógica assente numa solidariedade entre cidadãos de gerações distintas garantida pelo Estado – a mesma solidariedade institucionalizada que, nos países mais prósperos, levou à construção de sistemas públicos que garantiram níveis de segurança material e de qualidade de vida aos idosos nunca antes alcançados.

A estratégia do modelo preferido pelo PSD, simetricamente, aposta tudo na responsabilidade individual pela poupança, na privatização dos riscos, e na centralidade do mercado (financeiro) na formação das pensões. Nesta estratégia, garantir a sustentabilidade financeira é apenas um meio para transformar a relação do indivíduo com a sociedade e com o Estado. Como famosamente disse Margaret Thatcher, faz esta semana precisamente 30 anos: “Economics are the method; the object is to change the heart and soul”.
    Pedro T.

1 comentário :

Passostrocados disse...

Se O PPD voltar ao poder, o ministro das finanças ou dos assuntos sociais e justiça como eles querem, deverá ser o grande escuteiro, Bagão Félix.
Este chefe de patrulha irá desenvolver o trabalho que tinha iniciado no condado de Santa Lopes, de desmantelamento total do edificio das segurança social.
Para ele, todos se lembram, eram tudo facilides para a antecipaçao das reformas. Os professores primarios reformavam-se aos 52 anos, 36 de regime contributivo, 100% do ultimo escalão!
Veio a tempo, a gestão de Vieira da Silva, para evitar males piores!