quarta-feira, dezembro 07, 2011

João Galamba responde no DN ao governador do Banco de Portugal



    O governador do Banco de Portugal não tem razão

    Na audição ao Governador do Banco de Portugal, que decorreu na passada sexta-feira na Assembleia da República, eu disse que Carlos Costa não tinha razão quando afirmou que a compra de dívida pública* por parte dos bancos tinha limitado a capacidade de concessão de crédito à economia. Carlos Costa chamou-me “ignorante”, acusou-me de não perceber o conceito de crowding out e mandou-me “aprender”. Para demonstrar o seu conhecimento, Carlos Costa deu uma pequena aula: um banco pode dar crédito a três tipos de entidades - Estado, Empresas e Particulares -, e como o crédito é escasso, se concedermos mais crédito a uma dessas entidades, então, necessariamente, há menos crédito disponível para as restantes. Esta história tem um problema: é falsa.

    Para entender como funciona a concessão de crédito não podemos pressupor que os bancos partem de um volume fixo de crédito que, posteriormente, distribuem por um conjunto de entidades. No regime de moeda fiduciária e de reservas fraccionais que caracteriza o sistema financeiro moderno, a criação de crédito não está limitada por qualquer stock prévio de poupança. Aliás, a própria ideia da existência de uma restrição dessa natureza é ilógica: a poupança não pode anteceder a concessão de crédito porque, no momento em que um crédito é concedido, o rendimento a partir do qual se pode poupar ainda não foi inteiramente gerado. O crédito está limitado - ou melhor, regulado – pela necessidade de cumprir requisitos mínimos de capital; pela capacidade de aceder a liquidez para financiar o volume de crédito concedido e, finalmente, pela rentabilidade (ajustada ao risco) do crédito facultado.

    A compra de dívida pública por parte dos bancos não limitou a capacidade de concessão de crédito à economia porque não interferiu com os rácios de capital do banco nem dificultou o acesso a liquidez. Não desvalorizo os problemas graves do acesso ao crédito e financiamento da economia portuguesa. Limito-me a dizer que esses problemas não só não decorrem como não foram agravados pelo facto dos bancos terem comprado dívida pública.

    Um banco está a obrigado a deter capital na medida de uma ponderação do risco dos seus activos, e como a dívida pública tem uma ponderação de 0**, isto significa que, ao contrário de outro tipo de activos, quando um banco compra dívida pública não tem necessidade de deter ou reforçar capital para cobrir os riscos associados a esse investimento. A compra de dívida pública tem, portanto, um efeito neutral nos rácios de capital, pelo que não pode, por esta via, constituir qualquer tipo de limite ao investimento adicional noutro tipo de activos nem à concessão de crédito***.

    A partir da crise financeira, os bancos passaram a depender cada vez mais do BCE. A certa altura, para além dos depositantes e financiamento de mercado a muito curto prazo, o BCE tornou-se mesmo o único financiador. O crédito concedido pelos bancos passou a ser muito caro e, em muitos casos, inacessível. Mas não foi a compra de dívida pública por parte dos bancos portugueses que causou esta situação. E também não é correcto dizer que a compra de títulos de dívida tenha agravado, ainda mais, as condições de acesso ao crédito. Aliás, deter dívida pública para usar como colateral tornou-se mesmo na forma mais simples e rentável de obter liquidez junto do BCE. Se os bancos não tivessem comprado dívida pública teriam perdido um negócio rentável, não teriam mais liquidez disponível e, portanto, não teriam emprestado nem mais um euro à economia portuguesa.

    Por tudo isto, ou o Governador do Banco de Portugal - ao recorrer ao conceito de crowding out para explicar como funciona a criação de crédito numa economia - parece ignorar como funciona todo o sector que (supostamente) lhe compete regular; ou o Governador do Banco de Portugal prefere sacrificar o rigor técnico para sair em defesa de uma determinada linha política. Estaríamos, neste caso, perante uma violação do seu mandato, que o obriga à mais estrita independência.

    *Carlos Costa falava explicitamente de dívida pública, não de dívida de empresas públicas.
    ** Os ponderadores de risco aplicados à dívida pública foram legislados pelo Aviso do Banco de Portugal 5/2007. No Anexo III pode ler-se: 'Às posições em risco sobre administrações centrais (…) deve ser aplicada um ponderador de risco de 0%.' Isto refere-se ao chamado Método Padrão. Para os métodos ditos de Notações Internas (IRB) os bancos poderiam usar ponderadores diferentes, mas não o faziam para a dívida pública por razões óbvias.
    *** Por determinação da European Banking Authority, os bancos tiveram de aplicar um haircut à dívida soberana para efeitos do rácio de capital a atingir em Junho de 2012. Neste contexto temporário de um exercício de stress o ponderador deixou de ser 0%, mas a regulamentação referida antes mantém-se válida. Como Carlos Costa se referia a um período anterior a esta decisão, a decisão da EBA é irrelevante para esta discussão.

7 comentários :

Anónimo disse...

E não há nenhuma artigo a falar sobre as afirmação proferidas por esse grande socrático chamado de Freitas do Amaral?

Teófilo M. disse...

Acho que o João Galamba está a dar demasiada importância à personagem.

Anónimo disse...

Conclusão do Teorema: Carlos Costa é um ignorante (Como Queríamos Demonstrar).


Corolário: para além de ser também um alarve (QE já D).


Orang, o Tango.

Anónimo disse...

Mandar bitaites num blog é mais fácil do que um confronto face to face de ideias. Temos pena.

Anónimo disse...

O artigo estáq disponível também aqui:
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2169749&seccao=Convidados

Zé da Minda sempre disse...

Eu se me chamarem nomes,se não tiver outro palco para o justo direito de resposta, utilizo um blogue.Galamba respondeu no parlamento e agora no DN.Aguardamos que o ex "apanha bolas de golfe" de João de Deus Pinheiro,faça o mesmo.Quando se quer agradar à entidade patronal,o Costa não olha a meios. Este escriva do BP, devia andar aborrecido com as criticas à direita por parte de um dos deputados com futuro mais promissor da politica portuguesa.

Anónimo disse...

Não há desculpa nenhuma a dar. O governador fez a figura de parvo que fazem todos aqueles que se acham detentores da verdade e da razão só porque a figura que vêm reflectida no espelho lhes passa a vida a dizer que são muita bons.
Depois , claro, levam com duches de água fria destes.E por incrivel que pareça, nunca aprendem...