quarta-feira, janeiro 04, 2012

A contra-reforma laboral

• António Monteiro Fernandes, Só para perceber [hoje no Público]:
    ‘As medidas do Governo, em matéria de legislação do trabalho, são, decerto, tributárias do memorando de "entendimento" imposto pela troika, mas vão, como se sabe, bastante além. A situação económica do país justifica grande maleabilidade de critérios na apreciação de todas as soluções que se ponham sobre a mesa. Mas o problema que afecta, globalmente e no detalhe, as medidas laborais do Governo - é que não se percebem.

    Ou melhor: percebem-se vagamente, à luz de uma crença mística profunda, parente próxima do fundamentalismo ideológico, destituída de qualquer suporte experimental ou consistência histórica, mas assente no carácter pontifical de alguns ensaios econométricos produzidos em universidades americanas. (No paraíso do despedimento livre, a taxa de desemprego, a legislação constante, evoluiu entre 2,5 e 10,8 ao longo dos últimos 60 anos).

    O que parece demonstrável - nomeadamente pela experiência dos dois países ibéricos, nos últimos 25 anos - é que as reformas laborais são praticamente neutras sob os pontos de vista do crescimento e do emprego, mas não no tocante à precariedade e à insegurança económica das populações activas.

    Já em escrito anterior se procurou mostrar como pertence ao domínio do humor negro uma política de "combate ao desemprego de longa duração" consistente em facilitar e embaratecer os despedimentos, aumentar os tempos de trabalho sem contrapartida salarial, embaratecer o trabalho suplementar. Essa política está, no entanto, em marcha.

    O aumento de duas horas e meia na semana de trabalho permite fazer baixar em alguns milésimos o "preço do minuto" de que vivem ainda algumas indústrias, e pouco mais - tendo como contrapartida um agravamento do problema, já de si muito sério entre nós, da conciliação vida/trabalho. Esse aumento é imposto de um modo inusitado, que não fica bem ao legislador. Não se trata de elevar os limites máximos actuais (de 8 horas para 8,5 diárias; de 40 horas para 42,5 semanais); trata-se de impor aquele aumento caso por caso, contrato a contrato, parecendo mesmo que os empregadores ficam obrigados a cumpri-lo, mesmo que não lhes convenha. O que se quer, em suma, é mesmo manter todos os empregados no posto de trabalho mais tempo, pelo mesmo dinheiro. Ninguém disse, até hoje, para que serve isto - num dos países europeus onde se trabalha já mais horas por semana.

    (…)

    Na mesma linha, continua-se o trajecto para a redução das compensações por despedimento, com referência à "média europeia". Quem conhece as leis dos restantes países do continente sabe que a diversidade é enorme e, sobretudo, que em vários deles a lei não se mete no assunto, deixando-o para a contratação colectiva e individual. Como se encontrará então essa "média"? Atende-se aos valores da base de cálculo? Ou somente às fórmulas? Tira-se a média das fórmulas? Convém recordar que não se trata de um exercício matemático (embora para aí se tenda em todos os domínios); trata-se de garantir "competitividade" ao custo do despedimento em Portugal. A "média" proposta como referencial é uma invenção lamentável.

    Finalmente, a facilitação do despedimento individual - a panaceia com que o Governo espera despertar do letargo as forças vivas nacionais. Quer-se, em suma, libertar as actuais modalidades de despedimento de requisitos que obstam à liberdade de despedir este ou aquele trabalhador. Há, decerto, nesse domínio, ajustamentos que a própria funcionalidade do sistema poderá aconselhar. Mas o que se projecta vai muito além e incorre no risco de inconstitucionalidade. Depois, a mesma pergunta se coloca: que vantagens para a competitividade? "Como" é que estas medidas a potenciam?

    O país está, até agora, ciente de que o Governo só conhece, para aumentar a competitividade da economia e das empresas, um tipo de soluções: fazer as pessoas trabalhar mais tempo, sob a ameaça do despedimento e de uma protecção reduzida no desemprego. Isso já se percebeu. O que não se entendeu ainda é como espera que tais medidas produzam o efeito pretendido - em vez de o anularem, como tudo indica.’

1 comentário :

Anónimo disse...

Com a generalização do emprego a recibo verde a única coisa que a flexibilização da legislação laboral vai fazer é facilitar o despedimento daqueles que agora se julgam com o rabinho quente no privado. Não tenham dúvidas do que vos vai acontecer : substituidos por gente mais nova, mais barata e com menos direitos.