segunda-feira, março 19, 2012

"No fundo de uma depressão sem fundo"

Rui Peres Jorge, Desestabilizadores automáticos:
    ‘Dizer hoje a um desempregado que vai perder o seu subsídio para o incentivar a procurar emprego, é como anunciar a alguém perdido num deserto que lhe vamos cortar a ração de água porque não está a procurar com afinco o oásis. Nós também não o vemos – mas a maioria de nós tem água.

    Poder-se-á sempre argumentar que os desempregados também devem contribuir para o esforço nacional. Talvez. Mas vejamos o que nos dizem os números. No ano passado, a Segurança Social despendeu, em média, 2.979 euros por ano por cada desempregado, uma queda de 19% face ao ano anterior (e de 22% face a 2009). Há dez anos o valor médio era de 4.000 euros. Para esforço, não está mau.

    Este cortes nas prestações sociais em plena crise são contrários aos próprios fundamentos do estado social europeu que, na construção financeira do Estado, introduziu sabiamente um papel de destaque para os estabilizadores automáticos: nas crises, os impostos pagos diminuem mais que proporcionalmente ao rendimento que se perde, e os subsídios são activados quando se experimenta pobreza ou desemprego.

    Mas em Portugal, na actual crise, em vez de estabilizadores, estão a ser implementados desestabilizadores automáticos, que se afirmam em nome de um ajustamento abrupto dos défices externo e orçamental. Como se mundo acabasse amanhã. Além dos riscos sociais desta estratégia, é difícil aceitar que isto seja o melhor que a política económica tem para oferecer.

    Perante isto, há um toque de ironia trágica nos elogios de Olli Rehn ao sofrimento nacional para os quais pediu emprestadas palavras a Fernando Pessoa: "há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer", disse. Resta saber se o comissário sabe que estas foram escritas "no fundo de uma depressão sem fundo", "num daqueles dias em que nunca tive futuro".’

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