quinta-feira, abril 12, 2012

Riqueza ilícita

Rui Pereira, Riqueza ilícita:
    ‘A iniciativa de criminalizar o enriquecimento ilícito tem por base motivações éticas e preocupações de cidadania.

    Não é razoável que assistamos inertes à criação de fortunas ‘ex nihilo’, sobretudo quando estão em causa pessoas com responsabilidades na vida pública. Essas fortunas inexplicáveis originam uma suspeita que tende a atingir todos os políticos e a pôr em causa a democracia, fazendo algumas pessoas suspirar pelos "bons velhos tempos" da ditadura (como se então não houvesse enriquecimentos suspeitos protegidos pelo véu da censura).

    É certo, porém, que todas as formas de enriquecer ilicitamente são já incriminadas. Corrupção, tráfico de influência, fraudes e abusos de confiança fiscais, entre outros, são crimes previstos e puníveis com penas de prisão relativamente severas, segundo a nossa lei. O problema reside na dificuldade de os investigar, que é agravada, como sublinhou o presidente do STJ, pela consagração do sigilo bancário e pela existência de paraísos fiscais. Ora, não sendo viável investigar o processo de enriquecimento, restaria, afinal, criminalizar o resultado.

    O Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas que previam o enriquecimento ilícito, por unanimidade (apenas com duas declarações de voto relativas à fundamentação e uma à parte da decisão). Doze juízes com diferentes mundivisões, formações académicas e profissões jurídicas – incluindo seis juízes de carreira, magistrados do MP e professores universitários – entenderam que as normas aprovadas pela Assembleia da República violariam a presunção de inocência e não tutelariam um bem jurídico claramente definido.

    Vários penalistas previram este desfecho, invocando a presunção de inocência. Já o argumento da inexistência de bem jurídico parece discutível, como evidenciou o presidente do TC. O problema, apontado por Fernanda Palma em 19 de Abril de 2009 e 18 de Março de 2012, nas páginas do CM, resulta de a norma legal ter de configurar um facto e não um estado de coisas. O caminho é criar um dever com relevância penal (declarar bens e provar fontes de rendimentos), delimitar o universo de pessoas sujeitas a tal dever e criminalizar as suas violações.’