• Hugo Mendes, Outra transformação estrutural:
- ‘Se a zona euro (ZE) conseguir sobreviver à crise financeira, terá que resolver a crise de crescimento que se arrasta desde a introdução da moeda única.
É sabido que Portugal pouco cresceu na década passada - entre 2001 e 2011, média anual foi de 0,6% -, mas convém lembrar que a ZE, no mesmo período, cresceu anualmente apenas 1,1%.
Recentemente, a narrativa da crise europeia mudou um pouco: já não é apenas das dívidas soberanas, mas também de competitividade. A trama é conhecida: a periferia da ZE viu os custos unitários de trabalho (CUT) dispararem, aumentou o endividamento e perdeu competitividade, travando a convergência no interior da ZE. Este objetivo é, porém, alcançável se todos aplicarem as reformas estruturais: baixar a despesa pública, desregular mercados, comprimir salários.
Esta narrativa tem vários problemas. Se os CUT escalaram desde 2000 em certos países (não especialmente em Portugal), quem mais desestabilizou a ZE foi a Alemanha, que os reduziu fortemente. Sem discutir a eficácia das reformas que o permitiram, pensar que elas são generalizáveis é incorrer na falácia da composição: a Alemanha pôde reduzir os CUT precisamente porque a ZE, seu principal mercado, não o fez; se o fizesse, levaria a Europa à recessão. Por outro lado, a ideia de que, numa zona monetária, as regiões convergem, não só viola os factos conhecidos como ignora que as assimetrias só são sustentáveis se compensadas por transferências do centro. Por fim, se recordarmos que se ambiciona esta convergência num contexto de austeridade permanente imposto pelo pacto orçamental, vemos como é improvável o sucesso desta experiência.
A ideia de que basta deixar o mercado funcionar ignora que os processos de integração regional podem levar à concentração das indústrias mais inovadoras no centro, deixando para a periferia os sectores não-transacionáveis, protegidos mas menos produtivos (esta terá sido a tática de defesa dos periféricos face ao choque concorrencial dos países do anel industrial à volta da Alemanha). Este processo pode empurrar países para a especialização em setores de baixa produtividade, e Portugal, preso entre o modelo de baixos salários no qual já não é competitivo e o patamar das economias na fronteira tecnológica, é vulnerável a este risco.
Sendo impossível concorrer com os salários pagos na China ou no Leste europeu, a prioridade é a transformação da estrutura económica. Aqui, uma política industrial europeia seria essencial, não para escolher vencedores nem proteger indústrias em declínio, mas para apoiar setores onde exista concorrência e inovação, e que sejam estratégicos para cumprir objetivos fundamentais: a Europa precisa de um Green Deal e Portugal devia estar na linha da frente. Esta pode ser a única agenda de transformação estrutural da economia compatível com o regresso de uma prosperidade partilhada.’
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