• Tiago Antunes, Que se “lixe” a Constituição?:
- ‘O Tribunal Constitucional não sabe fazer contas”. Ainda bem. Acaso fosse esse o seu propósito, teria contabilistas em vez de Conselheiros. Só que não é para fazer contas que aquele Tribunal serve. Serve, sim, para proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.
É claro que o Tribunal Constitucional não deve decidir no vácuo, nem pode alhear-se da realidade. E não o tem feito. Quer na recente decisão, ao protelar os seus efeitos para 2013, quer antes, ao permitir o corte de vencimentos na função pública e o aumento retrospetivo de impostos, a justiça constitucional portuguesa tem demonstrado uma enorme tolerância, porventura até excessiva, às premências da crise económica. Apesar disso, bastou uma desfeita para que logo o Tribunal Constitucional se tornasse no saco de pancada da Direita.
Começou por se anunciar uma "catástrofe" caso o Tribunal tivesse a ousadia de interpretar a Constituição à luz de cânones jurídicos, e não da vontade dos mercados. Depois, alegou-se que o Tribunal foi irresponsável, que "criou um problema", ignorando as implicações financeiras da sua decisão. O que, além de ser mentira, encerra uma gravíssima inversão de perspetiva. Não é a Constituição que tem de se moldar ao Orçamento do Estado (OE), é o OE que tem de se conformar com o quadro constitucional.
Outros afirmaram que o Tribunal se imiscuiu na definição da política económica, extravasando as suas funções. Como se delimitar as balizas constitucionais da ação governativa não fosse uma das funções de qualquer Tribunal Constitucional.
Curioso é que quem utilizou o argumento anterior tenha sido capaz, logo a seguir, de sustentar que o Tribunal tinha a obrigação de sugerir alternativas ao corte dos subsídios. Ora, isso sim, seria uma grosseira violação do princípio da separação de poderes.
Afirmou-se ainda que o Tribunal não passa de um órgão político, ignorando que a decisão foi tomada por uma maioria de nove votos, para lá das divisões ideológicas. E apelou-se mesmo a que a Constituição fosse revista, como se fosse possível expurgar dela o princípio da igualdade.Na verdade, o acórdão em causa está longe de ser perfeito e pode ser objeto de múltiplas críticas. Mas a ira contra o Tribunal Constitucional, sobretudo baseada em raciocínios de índole financeira, é reveladora de uma perigosa imaturidade democrática.
O Tribunal Constitucional não é o Banco de Portugal. E, a benefício do Estado de Direito, ainda bem que não o é. O Tribunal Constitucional não é, sequer, oTribunal de Contas, esse sim encarregue de velar pela saúde financeira do Estado. O Tribunal Constitucional existe para traçar limites ao poder. E só dentro desses limites pode haver austeridade.
Assim, o Governo pode até legitimamente discordar da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional. Não pode é "lixar-se" para ela.’
2 comentários :
"O Tribunal Constitucional existe para traçar limites ao poder"
Nem mais.
Achar que por se estar numa situação de ajuda financeira se suspendem automaticamente os principios constitucionais que fundamentam a existencia de uma democracia republicana é exactamente o mesmo que achar que a democracia só existe quando há dinheiro para a pagar.
É uma opinião como qualquer outra mas então aqueles que passam a vida a insinua-la que se deixem de hipocrisias e cobradias e assumam ao que vêem : o totalitarismo de um governo forte e dictatorial de caminho único.
E que por uma vez na vida parem de se armar em democratas ofendidos, que sejam homemzinhos e que o digam frontalmente ao povo : nós queremos , podemos e mandamos e famos fazer o que bem achamos.
Depois cruzem os braços e vejam quanto tempo se aguentam em cima do pote...
Completamente de acordo...
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