segunda-feira, setembro 24, 2012

“A mais grave das opções, porque não é técnica, mas de carácter”

• António Correia de Campos, Estranho povo, estranho Governo [hoje no Público]:
    ‘Quando um dos manifestantes da vigília de sexta-feira declarava que não pedia mais do que os ladrões do BPN tinham obtido, convertia em bronze o repúdio da odiosa vigarice do banco falido. Quando Gaspar, aprendiz de feiticeiro e já mestre em comunicação social, consegue colocar perante as câmaras o venerável Sr. Schäuble a elogiá-lo com paternal desvelo, nada entendeu do drama que se joga em Portugal. Ele nunca conseguirá explicar ao cidadão comum a razão pela qual entende que o equilíbrio orçamental e o crescimento se conseguem à custa de uns, favorecendo outros.

    Não sabemos ainda se o Governo persiste nos argumentos já estafados da desvalorização fiscal, impante pela descoberta do cajado que mata dois coelhos: baixar o custo do trabalho e aliviar as finanças das empresas, exauridas pelo crónico subfinanciamento de capitais próprios e pela secura do crédito bancário, para poderem, enfim, investir. Mas tão contente ficou com esta elegante manipulação social que chegou a pensar tudo lhe ser permitido e nada lhe ser censurado. E que o investimento estrangeiro fluiria, reconhecido. É muito mais que insensibilidade social, é muito mais que obstinação, é o fanatismo dos tímidos, o mais perigoso de todos, onde a obediência cega à doutrina impede de pensar no cotejo com a realidade. Como se os antolhos da cavalgada ideológica lhe tivessem sido aplicados e não tivesse mãos para os retirar, olhando o mundo à sua volta.

    É impossível prever o que se vai passar ao longo dos próximos meses. A procissão ainda vai no adro da igreja. O Governo preferiu o recato do confessionário com Schäuble à solidariedade com Monti, Rajoy e Samaras. Más companhias para quem teme desobedecer aos donos do dinheiro. Esta é a mais grave das opções, porque não é técnica, mas de carácter. O Governo não acompanha Monti e outros na firmeza perante Merkel, único gesto que desbloqueou Mário Draghi e o BCE. O Governo é um menino obediente e cumpridor, um Eusebiozinho, incapaz de acompanhar Carlos da Maia na ginástica do seu trapézio de Santa Ovaia. Se o povo lho consentir, o Governo levará os portugueses ao cadafalso, acompanhado de litanias recitadas em voz monocórdica e ritmo vagaroso.’

1 comentário :

Rosa disse...



Excelente como é habitual em António Correia de Campos.
Mas penso que o Povo já não será um cordeirinho inocente que se deixe manobrar por estes senhores...penso que foi um dos erros mortais de quem nos governa...os cidadãos, em geral, já têm a sua opinião e sabem bem melhor o que querem...vamos ver como as coisas vão acontecendo.