• João Paulo Avelãs Nunes, Polémica historiográfica e ideologias [hoje no Público]:
- ‘Uma vez explicitadas algumas referências prévias, diria que concordo com Manuel Loff quando defende que muitos dos textos de Rui Ramos sobre a Ditadura Militar e o Estado Novo podem ser caracterizados como "revisionistas", o que é diferente de "negacionistas" e, mais ainda, de "fascizantes". Utilizando uma linguagem "naturalizada" - aparentemente óbvia e indiscutível -, Rui Ramos compararia uma Primeira República ditatorial, "terrorista" e "caótica" (protototalitária?) com um Estado Novo ditatorial mas "moderado" e "comparativamente eficaz" (autoritário).
Discordo, também, de várias das apreciações feitas, no âmbito desta polémica, por Maria Filomena Mónica e por António Barreto. Não consigo perceber a necessidade de Maria Filomena Mónica recusar, de modo totalmente infundado, validade à actividade de Manuel Loff como investigador e docente; de lhe atribuir militâncias políticas "inconfessáveis", bem como uma postura intelectual "fanática" e "maniqueísta". Evoco a possibilidade de a Primeira República ser encarada como um regime demoliberal com vectores de autoritarismo e não apenas como uma democracia ou, em alternativa, como uma "ditadura revolucionária". Contesto afirmações como as de que só "falsos historiadores" consideram operatório aplicar os conceitos de "fascismo" e de "totalitarismo" ao estudo do Estado Novo português; as de que os investigadores e docentes da "esquerda delirante" procuram impedir, em Portugal, que os estudantes universitários "tenham acesso a livros que possam pôr em causa o que os professores lhes dizem nas aulas."
Relativamente à intervenção de António Barreto nesta polémica, estranho que, a propósito dos comentários de Manuel Loff a alguns dos capítulos da História de Portugal coordenada por Rui Ramos, tenha defendido que aquela obra é o primeiro exemplo em Portugal de uma análise "serena" e "normalizada" da Primeira República e do Estado Novo - ambos, "mais do que qualquer outro período, submetidos à tenaz de ferro das crenças religiosas e ideológicas e ao ferrete das tribos." Segundo António Barreto, quer em ditadura, quer em democracia, antes dos textos de Rui Ramos existiria apenas "o duopólio fanático estabelecido há muito entre as Histórias ditas "da esquerda" e da "direita.""
Para além de ser difícil, por boas e más razões, caracterizar a produção historiográfica de Rui Ramos como "normalizada", "serena", e "sem ajustes de contas", porquê ignorar o trabalho, entre muitos outros, - e citamos apenas "investigadores seniores" portugueses - de historiadores do Estado Novo como António Costa Pinto, António José Telo, César de Oliveira, Fernando Rosas, José Maria Brandão de Brito, Luís Reis Torgal, Manuel Braga da Cruz, Manuel de Lucena e Maria de Fátima Patriarca? A importância da historiografia (das ciências sociais em geral) é demasiado grande para que se tente transformar uma polémica não num debate científico e ideológico, mas num exercício de afirmação de um "pensamento único" e de ataque violento a quem possa discordar das leituras em causa.’
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