quarta-feira, dezembro 26, 2012

A espiral do silêncio

• Hugo Mendes, A espiral do silêncio [hoje no Público]:
    1. Há dias, foram conhecidos os resultados dos estudos Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) e Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), realizados pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement. Em ambos os estudos participaram alunos do 4.º ano em matemática e ciências, e em leitura, respetivamente. A anterior participação de Portugal no TIMSS remonta a 1995 (ficou de fora em 1999, 2003 e 2007). Nesse ano, participaram alunos de vários níveis de escolaridade, e a média dos resultados deixou o país na cauda da classificação. Década e meia depois, Portugal melhorou muito o seu desempenho: entre 50 países, ficou em 15.º lugar na matemática, e em 19.º nas ciências, o mesmo lugar em que ficou no PIRLS, entre 45 países. Tendo em conta a classificação obtida em 1995, estes resultados indicam um progresso muito importante.

    2. A real importância destes resultados foi ignorada pela comunicação social. Quem leu jornais ou viu televisões, ficou sem saber que, quando comparados os resultados de 1995 e 2011, Portugal é o país com a maior progressão na matemática, e o segundo país com maior progressão nas ciências. Nem que, de entre os países da UE, Portugal é o 7.º classificado em matemática, 8.º na leitura, e 12.º em ciências - o que significa que as aprendizagens dos alunos do 1.º ciclo do básico não ficam nada a dever à generalidade dos colegas europeus, onde as famílias têm, em média, mais recursos socioeconómicos e níveis de escolarização mais elevados.

    Em 2010, com a divulgação dos resultados do PISA/2009, assistiu-se a um fenómeno semelhante. Enquanto muitos desvalorizavam a melhoria dos resultados em relação às edições anteriores (2000, 2003 e 2006), quem acompanhou os meios de comunicação ficou sem saber que, quando tido em conta o nível económico e social das famílias, os resultados dos alunos portugueses foram ainda melhores do que a média indica. Uma vez que a condição socioeconómica é uma variável explicativa essencial, quando os resultados são ajustados ao Índice de Estatuto Económico, Social e Cultural da OCDE, os alunos portugueses passam, no domínio da leitura, do 21.º para o 6.º lugar da classificação.

    3. A verdade é que o espaço público está pouco disponível para receber notícias positivas sobre educação. Há muito que a cobertura jornalística e o debate privilegiam uma narrativa de que o sistema produz resultados medíocres, sendo o principal culpado o "facilitismo" promovido pelas novas pedagogias, conhecidas por "eduquês". Desde o início da década passada que os seus críticos conseguiram colonizar os meios de comunicação e afunilar o debate público. Só é estranho que, sendo os críticos do "eduquês" quase todos cientistas, não se tenham preocupado em documentar empiricamente, de forma sustentada, a sua tese. Teria sido fácil montar uma investigação que entrasse nas salas de aula e estudasse as práticas pedagógicas em ação. Porém, à parte alguns ensaios pop, não foi produzido nenhum trabalho que documente empiricamente a alegada contaminação das práticas pedagógicas pelo "eduquês" ou os seus efeitos sobre os alunos.

    4. Esta atitude de seletiva atenção à realidade tem tradução na forma como muitos passaram a olhar para as instituições internacionais. De prova incontornável da mediocridade do sistema educativo, os resultados e as recomendações da OCDE passaram a ser relativizadas ou ignoradas e, nos últimos anos, valeu tudo para desvalorizar os progressos realizados: se os resultados dos estudos eram positivos, era porque os dados eram manipulados; se as recomendações convergiam com as políticas do Governo, era porque os estudos foram pagos.

    Depois de 2005, a OCDE acompanhou um conjunto de medidas e produziu vários relatórios, num diálogo continuado com o Ministério da Educação. Hoje, assistimos à prática oposta: o Ministério da Educação e Ciência habituou-nos a decisões sem qualquer estudo ou avaliação, ou a partir de relatórios encomendados e com conclusões de qualidade duvidosa (como no caso do Novas Oportunidades). Chega ao ponto de excluir o país da participação no Programa para a Avaliação Internacional de Competências dos Adultos, da OCDE. Infelizmente, nenhuma decisão é tão infame como a recuperação do exame no 4.º ano, à revelia das práticas de qualquer outro país europeu e das recomendações sobre a avaliação em Portugal.

    5. A consequência desta atitude não representa apenas um recuo de muitos anos na cultura de avaliação que o diálogo com as instituições internacionais criara; reduz, também, o espaço de debate público qualificado. Num momento crítico de discussão das funções sociais do Estado, ficam à vista os efeitos negativos de o debate sobre a educação estar, há muitos anos, refém de generalidades e análises rápidas e levianas: elas produzem uma visão truncada (senão mesmo errada) dos níveis de eficácia e de equidade do sistema educativo, e acabam por justificar ou legitimar políticas que significam um retrocesso de décadas.’

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