terça-feira, dezembro 04, 2012

Fomentinvest, empresa de reparações ao domicílio


João Pinto e Castro, O Sr. Nelinho ao poder :
    ‘Prontamente se constatou que o "método" do Sr. Nelinho era incompatível com o dia-a-dia de uma família organizada. A mulher-a-dias não conseguia lavar a roupa e passar a ferro no meio daquela confusão. Tornou-se impossível cozinhar no meio do caos. A mesa da sala de jantar estava sempre coberta de pincéis e esmaltes. Nas banheiras havia baldes de cola e tábuas partidas. Circular nos quartos de dormir era um exercício perigoso, principalmente à noite. Pior que tudo, os miúdos não conseguiam, no meio de tanta barulheira e desarrumação, fazer os trabalhos de casa.

    "As crianças vão ter de emigrar, vai ter de ser", sentenciou sem se comover o Sr. Nelinho. "Emigrar, como?", fez o Francisco, que começava a sentir-se vagamente ameaçado. "Vão para casa de uns avós ou de uns tios. Há que ter paciência." Os miúdos lá abalaram, a breve trecho seguidos pela mãe, que concluiu não estar ali a fazer nada. Quanto ao Francisco, lá ia resistindo, embora cada vez mais confuso, porque via passar os dias, muita agitação na casa, muito camartelo, muita demolição, muito fio eléctrico arrancado, muito soalho esventrado e muita parede descascada, mas pouco ou nenhum progresso real do trabalho.

    Cada vez que interpelava directamente o Sr. Nelinho, não tinha direito a mais que um sorriso trocista e um comentário enigmático: "Não se apoquente, porque eu, o Batata e os meus ajudantes sabemos muito bem o que estamos a fazer…" O pior foi quando, dias depois, o Nelinho lhe comunicou, com ar de quem não admite discussões, que, estando a casa em muito pior condição do que lhe havia sido transmitido, tornava-se indispensável rever urgentemente o memorando e aumentar substancialmente o orçamento. "O memorando? Qual memorando?" "Ora essa, o relatório do Batata que o senhor aprovou e assinou, não se faça de esquecido!" "E porque é que a obra há-de ficar mais cara, não me diz?" "O edifício não presta, não se pode fazer nada de jeito com ele. Há um problema de fundações. Vai ser preciso demolir a trave mestra e, isso, meu caro amigo, é quase como fazer um edifício novo."

    O Francisco ficou de todas as cores. Sem se comover, o Nelinho continuou, perante o assentimento do Batata e dos restantes paspalhos que o haviam rodeado: "Até já trouxe hoje comigo o meu advogado, o Dr. Faísca, para fazermos um contrato à séria a ver se pomos ordem nesta enrascada em que o Sr. Engenheiro nos meteu". Com a irritação, o Francisco ainda nem dera pela presença do advogado. Fora de si, fulminou-o: "Fora, fora daqui de uma vez por todas! Fora com o Batata, fora com o Faísca e todas as vossas cambulhadas." O Nelinho tentou responder-lhe – "não perca a cabeça, que a mulher aqui do Coradinho é polícia e isto ainda pode acabar mal!" –, mas o Francisco estava definitivamente decidido a expulsar aquela tropa fandanga e, com energia sobre-humana, empurrou-a sem cerimónia porta fora.

    "E agora?", perguntei-lhe quando o encontrei dias depois. "Agora, tenho uma dívida gigantesca ao banco, a casa está numa ruína (mil vezes pior do que quando a comprei), ninguém pode viver lá, os miúdos continuam com os avós e a Leonor ameaçou-me com o divórcio. Em compensação, estou livre."

    "Mas, afinal, quem é que te recomendou o Nelinho?" "Foi o Ângelo, sabes quem é?" "O amigo do Ilídio? E ele meteu-te em casa esse animal?" "Se eu tivesse sabido…, mas só agora descobri que o Nelinho é afilhado do Ilídio!"’

3 comentários :

ignatz disse...

as vinganças do ângelo são terríveis e ainda não chegaram a belém. o ilídio assiste ao incêndio na primeira fila.

Anónimo disse...

Brilhante!

Anónimo disse...

Um belo conto de Natal.